As sínteses sem teses na crisalida de uma borboleta.

A metamorfose nem sempre é feita acreditando-se nas asas.

Wellington M.
Ensaios sobre a loucura
4 min readMar 18, 2019

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Arquivo pessoal.

— Sentenças da crisalida ou do rompimento.

Eminência.

Há uma valsa específica para os nossos corpos, a qual ainda não foi tocada.

O problema do alfinete.

Eu conto uma mentira e uma verdade cada vez que digo o meu nome. O nome é a mentira, minha voz é a verdade.

Declaração entrópica.

Quando me perguntam quem eu sou, eu vou em direção a prateleira de livros e passo meu dedo no pó.

Aforismo da não intensidade (dos caminhos pela metade).

Mesmo que pareça sensato, nunca espere. Vamos só até aquele ponto, só até ali. A partir dele não dá mais, e logo ali já está o abismo. E lá a gente tem medo de mergulhar, mesmo sabendo que lá se encontra a coisa mais verdadeira da tua vida: a queda.

Arterial espiritual.

Eu não doso a pausa de uma vírgula. Tanto que ela pode se tornar um ponto sem eu perceber.

Intensidade (299 792 458).

No meio do caminho, eu não existo.

Um ponto em movimento não é mais ponto, é uma linha [*].

As vezes eu escrevo coisas que não existem. Mas as vezes eu escrevo e não existo.

Aforismo da comodidade.

Preciso parar de escrever pequenas coisas, pois me sinto pequeno. Mas por isso mesmo eu me sinto bem.

Me tornei vários, menos Eu.

Sempre na multidão há chance de você se perder, mas se há alguma chance de se reencontrar, é apenas consigo mesmo, sozinho, repetindo uma mesma silaba para ter certeza. Mas mesmo assim pode ser que se seja outro, e não você.

Procura-se várias coisas.

Procurando-me sempre acabo me encontrando perdido.

Só aspectos*.

Você é uma desconhecida que eu achei que poderia conhecer.

Dentro dos castelos de areia de meus cantos.

Lembro que errei 24 vezes desde que aquilo quebrou-se ali, e percebo que conto as derrotas para ter certeza de que não venci nenhuma vez sem perceber.

Mas é ali no canto que estou montando um castelo de areia. Bem aonde quebrou. É que ali não há vento, e não há onda. E as coisas não vão e nem vem. Só as minhas mãos o fazem, e dizem-no.

Dentro desse castelo tem uma sereia, que nada mesmo sem água. Simplesmente porque o vento é tão denso, que molha.

Estando a sombra de sua sombra.

Vejo um homem torto em minha sombra. Ele me diz que sou eu, mas eu nego. “Ele tenta dar conta das coisas sem virar as costas direito. Aí ele quebra.” Eu vi que ele só estava ali por causa do sol.

A insegurança de ir.

Faço a porta dos meus medos, os teus segredos.

— Sobre o verbo ser ou fluir.

Era.

Eu era uma face, um rosto. Eu era um toque, e um cheiro. Eu era uma superfície, uma substância. Eu era gosto, que se sentia e era sentido. Eu não era um número ou linha, eu Era mesmo. Eu me fazia enquanto existência, e era presente. Todas as minhas moléculas queriam estar ali, presente. Eu era o algo que não sou mais.

É.

Todos os “é’s…” são reticentes e passivos. Eternamente presos em uma aceitação, um fim. Um tornar-se natural, sem pulsão, sem vida. Por entender o adiante como uma impossibilidade, tornando o mundo não uma potência, mas uma impotência. Sendo passivo somos ninguém, alguém que é escravo de um contexto, o qual as vezes esquecemos de tentar entende-lo, e assim somos machucados sem entender o porque de sermos, e sem nem perceber a ferida e quem fere. “Assim somos, e assim seremos” é a sentença passiva de muitos, não há o que fazer. “Todos estamos eternamente sozinhos”, muitos dizem, mas estão intrinsecamente poluídos por muitos. Não há “é’s” para mim. Eu não existo no meio do caminho.

Ser.

Memórias não existem, mas por algum motivo a gente quer que elas existam. Eu preciso afirmar a todo momento para mim mesmo que aquela pessoa do passado existiu, e que aquele fato ocorreu. Mas eu não posso ter certeza. A imaginação se injeta a cada vez que se lembra. Toda imagem, é uma imagem construída.

Eu não estou aí, e você não está aqui. E para manter o presente eu precisaria criar um manequim. Um ideal, um fundo. Uma casca, um aspecto. Mas eu teria coragem de ferir uma existência com uma ficção? Eu iria te reduzir ao que eu quisesse?

Eu não sou a foto na sua frente, e eu não sou o vídeo que se segue. Eu não sou o nome escrito, e eu não sou as duas letras do meu contato. Eu não sou as palavras que te escrevo e nem as que te digo. Nisso, só posso ser minha voz (mas a verdadeira, não a gravada, e nem a transmitida). Eu não sou o seu passado e muito menos o teu presente. Mas eu poderia ser o teu futuro. Uma planitude* ao longe, um vislumbre horizontal na tua imanência. Para que assim, eu possa ser de novo, um pseudo-fenômeno na tua retina, um contraste com o horizonte. Um alguém que está, efetivamente. Uma realidade, e não um projeto.

Mas a impotência nos fere, porque nós aceitamos ela como impotência. E por isso, como meras partículas, vamos desaparecer nos nossos fenômenos.

Não haverá mais nome, para eu não ser. Não haverá mais número, para eu representar. Não haverá mais foto. Não haverá nem mais intuição ou reflexo. Eu apenas serei o fenômeno que se desfez, uma partícula inexistente que se aniquilou em vapor. Aos poucos a árvore resseca, se torna efêmera, e sucumbe numa entropia.

E ela nem era tão grande, não é mesmo?

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