Assuma que ainda é incapaz de amar

E não espere do outro

Uriel Valle
Ensaios sobre a loucura
4 min readApr 27, 2016

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Tulipas

Amor em 3 minutos

Ou até menos

quem filosofe e também procure o sentido do am0r através da prosa ou verso. Há, inclusive, vários daqueles que são capazes de matar ou morrer por ele. Uns até juram ter encontrado uma teoria científica para racionalizá-lo. Inúmeros são os que procuram no horóscopo, nos centros de umbanda, kardecistas, enfim e até no algam que talvez não exista mesmo. Mas não adianta, o amor é um objeto complexo, embusteiro e também difícil de encontrar. Quando pensamos que o compreendemos, recebemos uma triste notícia: somos limitados ao exercer sua sublime tarefa. É uma frustração perigosa, gera uma cólera que, caso não vigiada, somatiza no ego. Embora frustrados, aprendemos com a cultura comum a dizer que somos capazes de amar, ainda que a incapacidade e a incompetência em sua execução estejam lá, latentes. Passamos a contar histórias sobre ele, recomendamos filmes, procuramos nas pequenas relações de poder e acabamos vazios. Vazios porque poucos são aqueles que dominam ou anseiam genuinamente amar, mas muitos são os que desejam que o amor deva vir pronto e preparado em três minutos com água fervendo, instantâneo.

Um dia você vai conhecer a pessoa certa

Não enquanto eu for a mesma pessoa

Sou um homem intenso, mas não extenso, talvez seja este o motivo de nunca ter tido relacionamentos duradouros. O meu histórico —que alguns já devem saber —também não favorece o cenário, já que a instabilidade faz-se presente. E agora vem a pior parte: sou sensível. Sim, isso mesmo. Odeio revelar esse lado, principalmente porque nele minha ansiedade excede o limite, expondo-me. Sem esquecer que as mulheres, grande parte delas, odeiam homens sensíveis — mas gostam da sensibilidade televisionada ou em forma de best-sellers. A baixa-estima é também outra má aliada, se não for a principal. Já ocorreu de uma moça vir falar comigo, por exemplo, demonstrar interesse e eu não acreditar, afastando-a.

Em suma, minha vida afetiva está em volta deste cinturão de situações negativas. Fiquei anos culpando o mundo e por muito tempo repetia: "Se não fosse feio e pobre, teria todas". Mas e se algum dia eu tivesse, realmente saberia lidar? — Perguntava ao âmago. E eu respondia: "Sim". Pura mentira! Vou-lhes contar a verdade: é tudo uma questão de vaidade. Com trinta anos posso dizer com quase certeza que é exatamente disso que estamos falando: vaidade. Queremos aquilo que não alcançamos e quando estamos no triunfo, perde-se a graça. Quase uma relação de consumo, de aproveitar um produto e jogá-lo fora quando não servir mais. É a verdadeira falta de amor próprio, adornar o vazio, canonizar o nada. Com essa lógica do alcança-desecanta, machuquei muitas e envergonho-me até hoje quando as vejo. Lembro-me exatamente como era o processo: repetia a algumas com a finalidade de "conquistar", dizendo "você é bonita demais", "você é intensa demais", "eu não mereço uma mulher como você". Preparava pratos, fazia jantares, tudo com muita vontade, com muita disposição de amar e viver aquilo.

No entanto, com o tempo fui percebendo que esses elogios exagerados, os mimos e o jeito "sensível" acabavam quando a moça já estava sob meus domínios. Quando eu ouvia que "me amava" ou "gostava muito", não me sentia merecedor daquilo mais. Tudo perdia o encanto e meu afastamento tornava-se nítido… No relacionamento, quando chamado a prestar contas, dizia: "você é muito boa pra mim, acho que não te mereço", "eu não ando bem", "acho que você é muito pra mim". Não! Esse escape egóico era, nada mais nada menos, do que uma estratégia pra fazer o que eu bem entendia quando o encanto acabava, era o comodismo. A verdade é que tinha algo dentro de mim que eu deveria mudar e não estava querendo enfrentar. Desde junho de 2015, evito isso a todo custo. Há quem faça tudo que disse acima sem demonstrar nada, mas eu não conseguia, hoje agradeço por conseguir demonstrar e logo me afastar devido ao reflexo das minhas atitudes. No entanto, não entrarei em nenhum relacionamento enquanto não conseguir destruir toda essa barreira construída e revestida em egolatria por toda minha vida afetiva e nem aguardarei a "pessoa certa", pois, antes de tudo, eu preciso estar certo.

Precisamos assumir que ainda somos incapazes de amar

E começar a perceber o quanto ainda não nos amamos

É preciso sair do campo da enganação, assumir que não consegue amar ainda. Confie, é temporário. Não será instantâneo, em três minutos, mas mudará sua vida. Nesse momento me sinto mais leve por não inventar amores, nem cobrar algum, estou disposto a amar os que estão à minha beira — e não será fácil! Portanto, não saia cobrando amor de ninguém e nem inventando que tem de sobra. Encare os erros do passado como um fruto de não se amar, de não descobrir os seus demôminios e, se já descobertos, da dificuldade de enfrentá-los. Amar não se resume a apenas a dois, mas a dez, vinte, quarenta mil ou dez milhões pra mais, nunca saberemos quantos. Eu sei, é uma tarefa difícil, mas não deixe de abrir sua boca e dizer que mesmo sendo incapaz de amar está aprendendo. Seja honesto com o próximo, talvez ele aprenda com você —e talvez isso seja amor. O caminho é arduo e eu, infelizmente, não tenho fórmula alguma para te dar — nem para fazer livros de autoajuda — mas o que sei é e sempre foi: se não cessar toda essa loucura, o seu orgulho vai estrangulá-lo em algum momento.

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Uriel Valle
Ensaios sobre a loucura

"A luta pela igualdade se torna uma luta por poder — mas o poder, por conta própria, não reconhece a igualdade"