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Alice
Ensaios sobre a loucura
4 min readJul 19, 2019
Imagem adaptada do filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”

Ele tinha essa mania de achar que ela se parecia com qualquer pessoa e com todas elas: a atriz de uma sitcom boa, daquelas sem claque; via nas filhas pequenas das amigas do trabalho as feições dela, imaginava que assim poderiam nascer os filhos hipotéticos deles. Olívia tinha um desses rostos comuns, mas incrivelmente belos, ou não eram tão comuns assim, mas fazia com que Pedro conseguisse enxergar cada traço em comum com todas as pessoas, mesmo depois de anos separados.

Foi num desses dias estressantes depois do expediente, depois de uma discussão com sua atual pessoa, que ele entrou na rede, porque pensou ter visto Olívia em uma figura pública que estava em evidência, num desses episódios exaustivos e enfadonhos que só o cenário brasileiro poderia proporcionar.

Pedro abriu o perfil da ex, que há muito não visitava. É verdade, não ligava muito mais pra isso, estava bem. O trabalho, os amigos, a vida amorosa. Mas todas as vezes que tinha que digitar seu nome na caixa de busca de qualquer plataforma, achava estranho que mal apareciam notícias de Olívia em sua timeline — não, ela não havia bloqueado, além de terem terminado em bons (não ótimos, mas bons) termos, ela era demasiadamente madura e too cool para bloquear qualquer pessoa — por algoritmo, sorte ou azar, ele não via mais nada dela.

Às vezes ele recorria ao backup do celular feito naquela época, pra verificar se o que vivera tinha de fato sido real. Olhava as fotos lindas e íntimas que ele nunca tinha postado, nem nunca postaria, as imagens sobre as legendas cafonas, porém pretendidas por ele.

Olívia era (é) uma dessas pessoas evoluídas que não tinham (têm) todas as redes ou não atualiza(va) há muito tempo. O Instagram, por exemplo, ficava ali, esperando o nada. A última foto datava de quatro anos atrás. No tempo em que ela ainda namorava um outro ex. Bonito ex. Pedro se sentia inseguro toda vez que se lembrava disso, do quanto ela era bonita, inteligente e bem-sucedida, e do quanto ele era só normal, com o ritmo mais lento que o dela, o que ele tinha quase certeza: isso acabara com seu relacionamento muito mais que a distância física entre as cidades. Ela tinha uma vida agitada, combinava com a cidade dela. A cidade pertencia a ela, por mais que dissesse não gostar tanto assim daquele lugar.

Ele entrou então no seu perfil, pouco atualizado, cujas únicas publicações eram as fotos tiradas e postadas pela sua mãe e pelo resto da família mais ativa na sociedade virtual. E viu.

Um sujeito de olhos claros e grandes, opostos aos seus, a estatura também não era como a sua, mais alto e encorpado, muito “mais homem” que ele. Colado nela, entre ela e o irmão, num retrato de família — que Pedro não tinha tido tempo de conhecer.

Olívia não seguia um padrão, não tinha um “tipo”, nem deixava vestígios. Quando terminaram pra valer, deixou com ele só um beijo amargo de saudade latente e uns objetos pessoais que jamais lhe fariam falta, a julgar pelo seu desapego.

Pedro encarando a tela, a tela encarando Pedro. “Nada oficial. Não era nada oficial”. Ele tentou não entrar em pânico, por mais que a) ele estivesse relativamente feliz com outra, b) não sentisse mais aquele amor, c) nada do que sentisse fosse adiantar um milímetro (se é que se quantifica em unidade de distância nesse caso) na sua vida. Não ia.

Tentou se segurar, mas a curiosidade, àquela hora da noite falava muito mais alto do que qualquer tentativa de não se sabotar. Olhou o perfil do moço. Só o que viu, além dos olhos grandes e verdes, é que Olívia e ele haviam trabalhado no mesmo lugar. Mas não soube se trabalharam juntos, nem se trabalharam na época em que ela estava com Pedro. Fechou a janela.

Lembrou-se que ele tinha brigado por um motivo estúpido e imaturo com a sua “menina da vez”. Tentou amar a menina da vez como se a menina da vez fosse a vencedora. Se tocou de que ele não era um prêmio, ao contrário do que os surtos narcisistas, neuróticos e obsessivos pudessem lhe sugerir. Engraçado que do mesmo jeito que ele conseguia se colocar no fundo do poço como um pobre coitado, se elevava à quinta potência, essência, achando que, sim, aquilo era uma competição pelo seu amor. Não era.

Sorte de ninguém estar com ele. Sorte a dele não sentir aquilo — que se sente só uma vez — por mais ninguém.

Amores são diferentes, e por isso mesmo, nenhum chegaria àqueles pés.

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Alice
Ensaios sobre a loucura

just a small town girl living and writing in a lonely world