chorar eu sei fazer
carta ao ínfimo
anoiteço de domingo a domingo degustando as pausas de fim de tarde, aquele hiato estranhamente bonito entre o dia e a noite. quase tudo fermenta nessa vida. também os poemas, os pães e as inquietações. essa crepitação de fatos inventados é combustível para mensagens quilométricas na madrugada dos meus contatos recentes. meus comparsas verbais. arrisco piadas tristes, stickers e fotos de comida enquanto brinco com uma câmera e as projeções das 4h30. dormir é sonho antigo. estapafúrdio. de quem são esses resquícios? de quem são essas ideias que guardo na estante? na cor do esmalte de nome desejo, na tradicional caixa de lembranças dos fragmentos de memória ou nestes papéis de pessoas que sequer se recordam de tê-los escrito. algumas coisas não caberão na mala, nem na bolsa de mão e menos ainda no meu hd. embora certamente minha memória se ocupe de alguns restos, venho garantir minha displicência opaca diante de qualquer coisa eu que não tenha minimamente parido por tabela. aquele sidney sheldon capa dura, a penteadeira dos sonhos, a latinha de balas vermelha da barkleys; tudo isso fica. me falaram que esses exercícios eram furada. você escreve em círculos.
— ora, mas não seriam as palavras um redemoinho?
se meu fluxo de consciência é uma correnteza irascível, me permita lhe presentear com coletes à prova de cortes. e se espera não encontrar repetições, espero que quando souber a verdade, esteja medicado.
aliás, eu e aquela que não ousa existir fora dos percalços da minha caixa torácica começamos a nos entender. é como dividir seu pequeno paraíso particular com alguém que você não suporta, e prepararem juntos o desjejum. o timbre envelhecido das risadas parentais frisam a finitude que acena, longínqua e serena. nada pode deter o adeus. embora uma dor desconfortável venha enodar o peito, me propus a ouvir o silêncio presencial. com plena incerteza de plenitude. li por aí que a verdadeira dor é indizível. quando nos corta em dois a lâmina da perda, as palavras são as primeiras a estancar.
por isso sugiro que não tente conter as águas em esforços desperdiçados,
porque afinal, chorar eu sei fazer.