Chuva interior
há dias em que chove dentro de nós. a visão fica turva pela neblina espessa. você passa a mão no espelho esfumaçado, buscando ver de quem realmente é aquele reflexo; querendo saber quem realmente é. vê suas marcas, manchas e as cicatrizes que uma vez trouxeram dor e estão ali para lembrar, como um pergaminho velho que insiste em não deteriorar-se mesmo com as ações do tempo. só que saber tudo, até mesmo à nosso respeito, requer esforço.
é preciso chafurdar na lama dos nossos pensamentos, mergulhar na gênese da nossa personalidade, reviver o que nunca tivemos coragem para reviver. é doloroso, extremamente doloroso.
ainda é muito difícil dizer quem sou exatamente, ou se durante todo esse tempo eu fui apenas o que as pessoas fizeram de mim porque, no fundo, eu nunca soube muito o que fazer com o que todos eles fizeram. agora, no entanto, há uma espécie de sutileza no ar que me faz trilhar caminhos para dentro do meu próprio eu. aos poucos vou tateando o alto-relevo da minha existência e descobrindo o que em um outro momento eu seria incapaz.
