Comentário sobre o aforismo seguido de sete

Felipe Moreno
Ensaios sobre a loucura
3 min readAug 12, 2020
(Felipe Moreno)

A pretensão de ser um frasista, escritor de máximas, articulador de tiros curtos, desviando, assim, do senso tacanho da literatura brasileira, que tem um olho no mercado e o outro na reputação e, por isso, pouco aposta, apega-se à garantia do que é vendável. Destruir e construir com o estilo lacônico. Morrer sem ter ganhado um centavo com meus aforismos; viver na plenitude do exercício, exalando sinceridade, franqueza perante à vida.

Clareza é um estado de espírito. A ideia afiada é engendrada numa mente treinada a ser cada vez mais límpida. Todo aforismo é matéria aguçada. Todo aforismo é balde de água fria, flecha de sinceridade. Sinceridade é ressonância de um estado de clareza.

A captura do momento, a fidedignidade com o devir. No âmbito filosófico, os sistemas têm sua importância, embora, do ponto de vista da experiência da vida, sejam a maneira mais petulante de filosofar. Um sistema pretende amarrar toda a vastíssima história do mundo e da nossa espécie em pífias centenas ou, quando muito, milhares de páginas. Por essa ótica, é mera catalogação de conceitos. O aforismo, apesar da sua eventual feição sentenciadora, além de sincero com o mundo, é sincero consigo mesmo: orgânico, refém do momento vivido, fundido com a experiência. Precisa do movimento natural da vida para se realizar. Por isso, quando realizado, nada mais é que uma interpretação do presente, um estampido e um raio passageiros. Não existe aforista sem caderno e caneta sempre a postos — porque a frase não abre exceção aos/às desprevenidos/as: ataca na rua, no ônibus, no mercado, no parque etc.

A experiência direta, que movimenta todo o corpo, agita os sentidos e jamais depende, exclusivamente, da instância racional — ao contrário da cabeça superaquecida, é, de novo, balde de água fria que corre o corpo inteiro. São como as experiências no zen, ligadas ao processo integral da consciência, nunca apenas ao intelecto. A frase curta, rasgante, que proporciona um eco enorme. Tal qual um empurrão, um grito, um golpe de bambu nas costas: impossível sair ileso. O aforismo tem acuidade com seu efeito: o silêncio após a leitura de um fragmento — o aforismo ainda em atuação — é tão importante ou mais que a leitura em si. Quando tem que dizer, diz pouco, ligeiramente; enfim, feito o disparo, quem o/a leu fica com o seu desdobramento: a vibração forte e silenciosa dos seus sentidos.

Assim tem-se a sensação — assim como o poema — de que o aforismo não é algo criado, mas recebido.

A obsessiva ideia de que o Brasil não deu certo é a própria razão do porquê este país nunca deu certo.

A tradição do escritor infeliz e trágico provém, quase sempre, não de uma grande sensibilidade e uma consciência profunda, mas de toda uma vida de tabagismo, alcoolismo e isolamento. E do total apego à ideia de que autodestruição e melancolia são os combustíveis da genialidade.

Existem dois tipos de pessoas que falam banalidades: as que sabem muito pouco e superficialmente e as que sabem muito e em profundidade.

O sucesso desumaniza; o fracasso, se bem aproveitado, conversa com muitas qualidades.

A chave para o sucesso nunca vem com o aviso de que a maioria das fechaduras são do fracasso.

Todo ateu incisivo é um crente frustrado.

Assim é a vida: enquanto uma pessoa se atira da varanda, a outra, no apartamento vizinho, tem um orgasmo.

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Felipe Moreno
Ensaios sobre a loucura

Haicaísta com ternura, prosador com afiação (e vice-versa). Autor de “o bambu balança” (Bestiário, 2022): https://tinyurl.com/36r2kc4j