Confissão em poesia insone.

Wellington M.
Ensaios sobre a loucura
2 min readMar 28, 2022
“Baron Munchausens Remarkable Leap” Ilustração de Alphonse Adolf Bichard, retirado do livro: “The Adventures Of Baron Munchausen” publicado em 1886.

aqui, cometo crimes:
introduzo pausas, silêncios,
ali,
aqui,
acolá,
mais aqui do que antes,
um daqui mais fundo,
um adormecer,
um sono.

tantos poucos aqui,
e eles que fazem o tempo.
saturação de poucas coisas,
irrelevâncias que incham os segundos,
os minutos,
as horas,
os dias. incham a mim,

o único.

absoluta consciência:
insônia,
o tempo dói no cérebro,
sinto os neurônios pressionados pra cima,
tentando arrancar-me ao instante da lama,
pelos meus próprios cabelos.
não consigo acaricia-los,
fazer carinho sem minha mão,
e sem movimento, quieto, em passividade.
quero a outra mão,
uma outra que não a minha.
quero quebrar a quiralidade de meu toque.
acordar dessa minha insônia: em sono profundo.

queria o eros da minha vizinha,
ou ser dono do silêncio entre os elogios
da minha amiga distante,
a que deitei com desejo, mas sem o confessar;
e que adormeci ao seu lado em uma inocência solipsista.

meus crimes eu os cometo em silêncio,
sendo o juiz, júri, testemunha, réu e vítima.
cumpro minha pena no eterno silêncio da minha ausência,
e inação.
ausência de mundo, e de todos.
um espectro do meu nome, sem significado.
a todos comum, e a mim, estranho.
sou incapaz de confessar, e mudo permaneço.
sou escritor porque sou mudo,
não falo a ninguém,
e só alguns me falam,
mas, me falam de longe.

nunca ninguém esteve perto de verdade,
e ninguém na Terra me viu nu.
há certas roupas que demoram anos para serem despidas.
e essas, eu não tirei a ninguém,
e na verdade,
o espelho ainda me mostra coisas desconhecidas,
cantos estranhos, palavras tortas,
e sumiços.
os desejados sumiços.

não quero morrer, mas quero ir longe.
ir longe para o deserto mais próximo.
ir tão longe, para desconhecer, antes do desconhecido.
busco o desconhecer daquilo que não se pode dar-se dessa forma.
por isso não quero mais palavra alguma;
procuro o puro silenciar,
esse que encontro no sono que nunca vem,
e que brota em relance na minha mais profunda ansiedade.

ao mesmo tempo que quero lonjuras,
quero aquele beijo não confessado,
quero uma solidão próxima, inerente.
uma solidão que só se pode sentir junto.
porque só assim é possível guardar alguma coisa:
é preciso sempre ter um segredo para confessar,
e é sempre preciso confessar, para de fato,
poder amar-se.

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