Depois da festa

Lady Idiot
Ensaios sobre a loucura
2 min readJan 23, 2017

Pobres estrelas, todas mortas! Queria mostrar meu melhor lado, mas tem uma escuridão que se apodera como hera que sobe pelos meus muros e é uma certa fúria que empurra meu corpo adiante enquanto duvido do infinito e o rímel escorre pela face tornando-me quase obscena sob o sol de janeiro.

Não vejo pessoas e o silêncio me faz pensar por um momento que o mundo parou e eu continuei sozinha, alheia e prepotente sob a nuvens que passam apressadamente brancas.Carrego os sapatos que me machucavam desde horas antes, quando tudo parecia perfeito em meio a música e amigos, brindes e risos. Meu vestido cor de pele está manchado no peito da bebida esparramada no encontrão com aquele garçom distraído e a bolsa com o celular e o batom cor de vinho eu arrasto pelo asfalto morno. Sinto-me suja e tenho impregnado nas narinas esse cheiro de álcool e perfume de outras pessoas.

Nunca soube ser, esse verbo amaldiçoado desde o princípio quando fez-se a luz e tudo acabou sendo esse caos, esse amaranhado de pessoas que se buscam e se afastam, essa confusão de água, terra, ar, fogo, eu, minha vida tão escorregadia, meus pés doendo nesse chão que nem sei pra onde vai, as malditas escolhas que fiz e me trouxeram pra cá, pra essa cidade infernal, entulhada de gente vazia e estranha. Eu não vivo, eu tento loucamente.

Entro no prédio, o porteiro diz bom dia com aquela cara de safado de sempre, minha cabeça dói, o elevador está quebrado e a escada parece infinita, está quente como o inferno e quando entro na sala não reconheço nada. Essas coisas não são minhas, essa casa não sou eu, os porta retratos mostram gente sorrindo ao lado dessa mulher estranha usando minhas roupas e as janelas abertas balançam as cortinas concordando que nada disso me pertence, eu sei.

Um espelho mostra meu rosto cansado da noite comprida, os cabelos muito bagunçados pela dança, suor, vento e a maquiagem preta nos olhos borrada por aquele choro convulsivo, contraditório e inevitável após horas de êxtase forçado pelo abuso de álcool e outras porcarias. Sou um zumbi e tenho um coração batendo no peito de maneira irregular, a boca com o batom apagado agora vedando todas as palavras, queria que morressem dentro, que apagassem mortas feito as estrelas que não vemos mais.

O gato me olha de cima da almofada e volta a dormir como se nada importasse. E não importa. Lá fora tudo sempre continua e a minha presença fará falta por um curto período para algumas poucas pessoas quando eu me for e com a borracha implacável do tempo o mundo apagará minhas ínfimas marcas. Mas não hoje, outro dia. Hoje só preciso dormir.

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