Do outro lado
Do outro lado,
ninguém me vê pela janela
do meu quarto, secreto e escuro.
Ninguém vê quem eu sou.
Podem ver que aqui estou
mas não me vêem o sopro
nem o olhar distante
que questiona quem me olha
olhos nos olhos, sem ver,
do outro lado
da janela do meu quarto,
secreto, escuro e frio.
Não vêem o rasgar dos lençóis
nem os gritos ásperos de desvario
nem tão pouco os suspiros
tantos
que solto p’lo ar vazio
do meu quarto
secreto, escuro e frio.
Houve já os que fitei,
olhei de frente, falei,
e quase me ouviram
a voz rouca
daqui, onde fiquei
imóvel e incrédulo,
sons que quebravam
a película invisível
entre mim
e os que olhavam
e não compreendiam
o mar indizível
de palavras cegas
e ondas mortas
que se apagam
na praia serena
da cama do meu quarto,
secreto e impossível.
E nem manhãs nem noites
nem tempos idos ou vindos
mostram o que levo dentro
àqueles que me olham
p’la janela sempre aberta,
sempre fechada,
que nunca existiu.
Maio de 2013