Entardecer

Lady Idiot
Ensaios sobre a loucura
2 min readDec 21, 2016

Estava sentada no banco da praça, com as pernas espichadas, sob o sol. Seus cabelos brancos ficavam prateados com a luz do dia, seus olhos cobertos pelas lentes, sempre fechados. Aos noventa e seis anos era um esboço diminuído da pessoa que deixara na juventude seus sonhos, planos, medos. Era apenas uma figurante incrustada àquele cenário.

Ninguém percebia sua presença ou ausência, era indiferente estar ou não naquele banco todos os dias, hora após hora. Os transeuntes passavam com a costumeira pressa, sem olhar a beleza da praça, sem olhar a pequenez de vida encolhendo-se sob a enormidade do mundo, imponentemente alheio.

Seu nome já fora há muito esquecido por quem deveria lembrar e agora ninguém mais quer saber. Seu único bem era a solidão, adquirida aos poucos com o passar dos anos. Estava há muito voltada para dentro de si, sua figura de aparência triste não passava de uma carcaça, um suporte para aquele que fora seu passado, para onde estavam voltados seus olhos. Olhava a vida que fora sua há muito tempo, para os anos levados para sempre, para o amor que deixou na estrada, confundido pelas encruzilhadas.

De tão estática, fazia já parte integrante daquele lugar. Era um monumento, esquecido entre os jardins, lembrado apenas pelos pombos que o cercavam chegando quase a pousar em seus frágeis e pequeninos ombros, ignorando algum vestígio de vida, movimento. E lá ficava, enquanto havia um raio de sol, um sopro de luz.

No lusco-fusco, erguia o corpo vacilante e caminhava passos pequenos e mecânicos em direção ao que fora seu lar. Carregava consigo tudo que restava de seu, a vida entardecendo, as lembranças da manhã e alguma esperança de morrer com a noite, para evitar a alvorada, o dia na braça.

O banco hoje amanheceu vazio, mas o sol aquece suas tábuas assim mesmo. As pessoas passam, não olham a praça, o céu, os pombos. E o mundo não muda o curso. Segue, alheio à vida, à morte.

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