Eta vida besta

Daniel Maia
Ensaios sobre a loucura
2 min readApr 7, 2017

A monotonia intenta Cornélio a observar. Boceja tristemente ao perceber que não havia vivalma nas ruas. Da sala de estar ele presta atenção. As cortinas da sacada entreabertas ostentam um ar de deboche. Amarradas ao batente como cortinas que se abrem em um grande espetáculo: a grande apresentação é a monotonia do vilarejo.

Tudo fatiga Cornélio. O canto estridente das duas gralhinhas no pomar da vizinha é uma tortura ímpar. Cornélio se ri: chamar de pomar duas árvores no pé do muro só pode ser uma piada de mal gosto. Cessa o riso. “Por que rio com Dona Justina? Eu deveria rir dela!”.

Os pardaizinhos cantam lá fora:

“Oi moça linda do cesto
Cheio, cheiinho de laranjas
Cante, cante a cantiga
Que vem do peito
E verás como tudo se arranja”

Faz lembrar Eleonora. Eleonora era o brilho dos seus olhos. Fazia todo o opaco do vilarejo luzir e irradiar com a sua graciosidade. Com ela até o latido dos cães na rua tinha um quê pueril. Riam em todas as ocasiões. Era sua Estrela D’Alva.

“Ah Eleonora, que saudade!”.

O mote de Eleonora que antes denotava galhofa era agora um grande tormento. Com ele riam juntos das trivialidades. Com ele Cornélio chora o longo tempo que haverá de ficar longe dos gracejos de Eleonora.

“Eta vida besta, meu Deus!”.

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