Eu gostaria de contar minha história
Relato onírico
Ferido e cansado, deu os últimos passos em direção ao sol. Ajoelhou com o sangue sobre a pele e gelo sobre a alma. Fechou os olhos e se rendeu. E quando o dia renasceu ele olhou desperto para o raio que ficou preso sobre a janela. Tinha um novo desejo, mas ainda não entendia. Partiu a procura de uma vida nunca antes vivida, uma história nunca antes contada.
As estradas o levaram até uma enorme mesa escura, onde uma gente solitária e disgregada bebia em silêncio. Por dentro lhe veio a sensação de que muitos poderiam passar por ali, mas aquelas mesmas pessoas estariam sempre lá. É como se houvessem encontrado seu lugar no mundo. O sol molestava, todos ficaram silenciosos até que ele aparecesse:
“Eu gostaria de contar minha história!” gritou jovial e corajosamente.
Mas é como se ninguém pudesse de fato ouvi-lo. E ele repetia, agora quase em lágrimas “eu gostaria de contar minha história, porque sabem… Sinto como se logo estarei me transformando em poeira”. Mas nada daquilo parecia ser o bastante. Então resolveu deixá-los, aquele não era seu lugar.
No resto da caminhada cantou para os grilos, para os semáforos e para si. E quando a noite finalmente chegou, já não havia lua. Sem lua, não havia mais canto. Mas algo naquele enorme círculo vazio nos céus ainda sussurrava vagamente “de que lhe adianta sofrer, se sempre voltará a ser feliz?”
Ele ouvia atentamente e tinha a sensação de que seu coração estava sorrindo. Aquele pode ser simplesmente o fim. Mas a voz misteriosa se materializou delicadamente no horizonte desenhado pelo pavimento, até se aproximar o suficiente para dizer: “você sonha com frequência as coisas que escreve, ou as inventa apenas por um escândalo?” E ele só saberia responder “ora, amada, você não entende… Eu ainda preciso acordar”.