Exercícios

Felipe Moreno
Ensaios sobre a loucura
2 min readJul 23, 2018
(Foto: Jaicle Melo)

Eu medito, eu caminho, eu contemplo e eu escrevo. Já não fumo mais maconha, bebo moderadamente e não tenho horror nem aversão a exatamente nenhuma droga — mas já não faço uso de nenhuma, pois hoje, com toda a sinceridade que posso exercer, sinto que não preciso mais delas.

Meus maiores prazeres, meus suprassumos, são tão sutis agora. Eu apenas me sento, todas as manhãs, em silêncio; lá fico, por vinte, vinte e cinco minutos, sem nada em mente, atento somente à minha respiração, às minhas sensações. Abro a janela, vou dar uma volta no bairro, escutando música pelos fones de ouvido, de preferência. Enquanto caminho, vejo meticulosamente tudo ao meu redor — dos ipês amarelos, maravilhosos, imóveis na árvore acima da minha cabeça aos funcionários uniformizados que descarregam um caminhão de cargas em frente ao supermercado — , como quem tem todo o tempo do mundo. Eu ando e observo o mundo como quem já não faz parte mais deste mundo. Às vezes sinto que tenho todo o tempo do mundo. E veja: tenho. Melhor: temos.

Puxo o caderninho da minha bolsa lateral (reaprendi o gosto por escrever à mão) e anoto os detalhes, as ideias. Volto apressado para casa, me sento novamente, agora em frente ao notebook, e, com os dedos serelepes acima dos teclados, a cabeça entrando em transe suave porém profundo, começo os trabalhos. É um processo de transfusão.

Depois meu dia pode ser qualquer coisa. Mas antes, meu ritual (escavei profundidades para encontrar esse ritmo, busquei a fórmula com o maior afinco); antes de qualquer coisa, essa minha rotina de ser alguém que medita, caminha, contempla e escreve. De preferência, todos os dias.

--

--

Felipe Moreno
Ensaios sobre a loucura

Haicaísta com ternura, prosador com afiação (e vice-versa). Autor de “o bambu balança” (Bestiário, 2022): https://tinyurl.com/36r2kc4j