Freud: pai.
- Filha, o que você está fazendo aí?
- Fumando.
- O que a gente conversou sobre isso?
- Eu sei, mas é que no momento, eu meio que preciso disso, sabe? Pra tirar minhas angústias e soprar com a fumaça do cigarro.
Ela olhava ao fundo da paisagem rural como se pudesse ver de fato alguma coisa naquela escuridão. Ela mirou num brilho forte que vinha de uma das casas, como se aquela luzinha, uma luz vinda da eletricidade, pudesse dar algumas respostas de que ela precisava.
Por dentro, sentia que havia desapontado demais quem mais a amou e quem ela mais amava, mas sabia que tinha que escolher por conta própria, mesmo que isso significasse escolhas ruins.
Ele sentou ao seu lado, pediu um trago — o primeiro em 10 anos desde que ele havia decidido largar o vício — , ela hesitou, mas entregou-lhe o cilindro cancerígeno de palha, sem filtro. Acendeu, porque a essa altura tinha apagado, como sempre.
Ela sabia que estava se entregando, não a um amor, não a um projeto de vida, mas a uma coisa demonizada tanto pelo seu pai quanto pelo resto das pessoas com as quais ela se importava. Eles jamais entenderiam. Ela, ao contrário, sabia exatamente onde estava se metendo e sabia que aquilo poderia ser o começo do fim.
Seu pai, em outros tempos demasiadamente incompreensivo, rude e protetor, fumou metade de um cigarro e entregou-lhe de volta:
- É mais forte.
- É.
- Não deixe que isso te controle.
- Acho que agora estou tentando não deixar que pessoas me controlem, pai…
- Pessoas? Eu?
- …
- Olha…
- Pai, eu não preciso disso agora.
- Tudo bem.
Ele a abraçou, pediu mais um trago, disse que tudo ficaria bem, e que eles estavam juntos pra sempre. Ela sabia disso, mas tinha medo. Ela era toda sobre medos e, acima disso, sobre como iria enfrentá-los.
Ela tragou mais uma vez, profundamente, conscientemente, soprou a fumaça junto com o diálogo que queria ter tido, junto com pai compreensivo.
Nunca aconteceu. Nunca passou de um devaneio de sua pressão baixa e de seus sentimentos reprimidos durante uma vida e analisados no divã de um consultório, cuja paisagem não era nada senão a quase indiferente face de sua analista e alguns carros e prédios comerciais, configurando um visual oposto àquele onde fumou perto de alguns insetos, cachorros e da chuva de verão.