Guerra

Ítalo B. Bacchiega (Pena)
Ensaios sobre a loucura
3 min readFeb 7, 2017

Quando viemos ao mundo não tínhamos a menor ideia do que iríamos encontrar. Tudo novo, confuso, sempre algo a mais. Amores, decepções, perdas, alegria, loucura, fraternidade, pães com manteiga e um bolo de fubá servidos com café nas manhãs de domingo, e acima de tudo, a busca incessante por tempo. Seja para ânsia por tê-lo mais, desejo de voltá-lo, curiosidade para avançá-lo ou gratidão por tê-lo vivido e este se tornado um passado ainda tão presente.

Ele se lembra como se fosse ontem.
As cenas se passam como em um rolo de filme antigo. Mudo. Cores fracas e amareladas. Um filme antigo. Com crianças correndo e brincando em volta.
O sorriso largo daqueles que o criaram. Pais e mães. Eles dançam e riem. Eles sentem isso também. O desejo incessante de parar naquele momento.
Ela o pega no colo. Eles cantam para ele. É seu aniversário. Ele não tinha idade o suficiente para entender, mas todos estavam olhando para ele, enquanto batiam palmas e exibiam sorrisos e celebravam algum tipo de festa.
Os olhos dela, tão vivos, o cobrem por completo. Seus braços entrelaçados em volta dele, o dando segurança e amor. Ele sente a respiração dela em seu abraço. O cheiro do seu cabelo. O calor do seu corpo.
Os seus dedos alcançam o nariz dela, e ele o aperta gentilmente, como forma de afeto. Faz ela soar com uma voz anasalada, lembrando um bezerro.
Ambos riem. Este momento era tudo o que eles tinham.

Mal ela sabe a marca profunda e graciosa que esse momento deixaria, nem quantas vezes ele retornaria para esse momento. Direto. Como um teleporte.
Sua imagem já adulta se encontra com aquela criança, e ri, enquanto lágrimas se formam em seus olhos. Ele sabe que esse momento ficará para sempre. Lembranças tão duradouras e vívidas. Como se seus olhos fossem uma filmadora, gravando com seu rolo de filme. E estes filmes estão todos em seu cérebro, sua memória, em seu jeito de se vestir e na maneira como adentra em um local.

Na verdade, nada nunca mudou. Tem a sua vida como uma série de momentos eufóricos de alegria, seguido por curtos mas repetitivos intervalos, onde consegue vislumbrar o desespero e a dor no fundo de sua garrafa. E a lembrança vem como uma bala, sem ser chamada, perfurando o que encontra pela frente. Atravessa todas as imagens formadas, todos os diplomas, ternos, carros, relacionamentos instáveis de celebridades, mulheres, bebidas e festas.
A saudade era como uma sinfonia de um filme de comédia dramática. Violinos ascendendo cada vez mais fortes e numerosos. O som do silêncio.

As pessoas realmente não conseguem ver a única coisa boa das suas vidas. Mesmo quando estão na sua frente, implorando para serem agarradas.
Por quê todos são tão fodidos?

O amor está em guerra. O dos homens com as mulheres, dos pais com os filhos, dos filhos com as mães, e dos irmãos com irmãs. Nunca terá fim, apesar dos dois lados quererem a paz.
E no final, o vencedor é quem tira o colete, para de atirar, levanta a bandeira branca, se rende…se entrega.
Não deveríamos viver do jeito que vivemos.

E, de repente, ele sentia tudo.

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