Incertezas de uma jovem poeta e crise

Marcela Vieira
Ensaios sobre a loucura
3 min readAug 3, 2020

Não gosto do que escrevo em muitas situações, mas mesmo assim continuo. Tecendo olhares, constelações e arfares que não mais cabem secretados num peito aflito. Um peito marcado, vivido e muitas vezes abatido — a constância vem em formatos inesperados.

O que escrevo muitas vezes sai com dificuldade, é travoso e bruto; precisa de muito trabalho. Mas se não fosse assim não me seria; e me é — talvez por me ser tanto, seja tão custoso.

Me vejo como isca de mim mesma. Se só posso escrever do que já sei — do que já sou — e assim não gosto, não tem muito que me reste. Talvez isso seja apenas um bloqueio criativo como tantos que já me visitaram.

Escrever me despedaça, transcende e muitas vezes me mata antes de trazer alguma satisfação. O que é a escrita senão um desnudamento de si mesmo a custo de algo ainda não revelado. Gosto de acreditar que essa pode ser a tal sedução da linguagem, do escrever.

Ao que me cabe, a motivação da escrita não é outra senão mistério, prepotência ante o domínio das palavras e da linguagem. Dominar o indomável e outrora inalcançável poder do expressar-se.

O poder do rasgar o peito e se prostrar aos olhares deveras curiosos e inquisidores dos que leem. A jornada até esse domínio é árdua, mas o processo é bonito; sempre é.

E se demorei tanto a conseguir tal poder, por qual motivo ainda me desgosta tanto do resultado? Me repreendo, pois sei que esse poder não vem com o saber e não vem com o gostar. Vem com gostos amargos e insensatos que levam a realidades conflituosas.

E não falo só do poder sobre a linguagem.

O fato curioso do poder é que ele é dado como um presente. O que muitas vezes acontece é uma falha na escolha do destinatário. Não me sinto como merecedora de certos poderes, mas tenho que conviver com eles.

Pode parecer mesmo estranho não querer um domínio, entretanto o problema está na manutenção e não no presente. Talvez se existisse uma preparação para isso não fosse tão complicado, não tem que ser; mas é difícil se preparar pra viver.

Desgosto do meu resultado por que meu poder não me é aceito como merecido e talvez essa seja a minha grande falha; mesmo sabendo que no fim não quero e nem posso deixar que isso me pare. Então continuo.

Acho presunçoso me assumir como detentora de um poder, mas não consigo ver a arte como outra coisa senão poderosa, o artista pode; e isso é inquestionável. Gosto de ser artista, mas tenho medo de ter que ser.

Certas coisas são inevitáveis, simplesmente são e continuarão a ser. E se quero continuar a poder, é bom que comece a me aceitar. Com falhas, erros e desacordos, mas ainda assim podendo. Se for desgostando, vai assim mesmo.

Ainda é melhor que não ir,

ou não poder.

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Marcela Vieira
Ensaios sobre a loucura

Condenada a viver e morrer escrevendo crônicas e cartas provavelmente medianas.