Luciana
— E o que a gente vai fazer com aquele assunto agora?
— Que assunto, Helena?
— Você sabe muito bem do que eu tô falando!
— Do que, porra?
— Da Praia da Cocada, caralho!
— Escuta aqui, Helena, você sabe muito bem que a gente combinou de nunca mais tocar nesse assunto.
Na sexta eu tinha ido buscar algumas coisas minhas na casa da Helena. Essas coisas que ficam em casa de namorada: boné, chinelo, camiseta do Palmeiras, fone de ouvido, baralho. Depois de discussões, brigas, tempos de idas e voltas, e desde as últimas três semanas sozinhos, decidimos que seria melhor assim. Separados finalmente.
— Eu sei, Fábio, mas agora é diferente. Não estamos mais juntos.
— E daí? Vamos continuar sem tocar na porra desse assunto. Como se nunca tivesse acontecido. Como se nunca sequer algum dia aconteceu.
— Não dá, Fábio. Eu sempre lembro dessa porra.
— Eu também lembro, Helena… Eu também. Mas não dá pra viver se ficar lembrando disso todo dia. Você precisa esquecer. Já te falei isso, mano. Precisa esquecer essa fita, esquecer daquela praia e agora precisa esquecer de mim também.
— Não vou me esquecer de você. Não é assim, não dá pra esquecer as coisas de um dia pro outro.
— Que um dia pro outro, Helena? Já faz uns 12 ou 13 anos essa porra.
— Aí, ó. Você lembra também! Sabe até a data!
— Eu não lembro a data. Ainda bem. Só lembro que foi em 2004 porque foi o mesmo ano que fiz essa porra dessa tatuagem que toda vez que eu olho eu lembro dessa merda.
Eu fiz essa tatuagem no primeiro dia que chegamos na Praia da Cocada, 09 de agosto de 2004. Óbvio que eu lembrava da data. Essa porra ainda me afetava também. E desde o casamento do Marquinhos a gente nunca mais tinha tocado nesse assunto.
— Tenho certeza que você lembra a data.
— Foda-se se eu lembro ou não, Helena. Foda-se. Cadê o meu baralho?
— Tá no rack lá na sala.
Eu não via a hora de fechar a mochila e sumir daquele apê. Aquele assunto ia voltar a tona a qualquer momento.
— Cê vai levar a sua rede?
— Não. Pode deixar aí. Tá toda rasgada essa merda.
— Porra, Fábio, não da pra deixar essa rede aqui, essa merda me lembra da Luc…
— Puta que pariu, Helena, cala essa sua boca! Nada tem que te lembrar dessa mina. Você precisa esquecer. Já falei. Você acha que é fácil pra mim também? Acha que foi fácil no casamento do Marquinho? Acha que é fácil toda vez que eu vejo aquela porra de álbum de fotos?
— Cê disse que tinha jogado fora as fotos, mano.
— Disse, Helena, eu disse. Mas eu minto, sabia? Surpresa! Eu minto às vezes. As pessoas mentem. Você mentiu que tinha esquecido. Eu também menti. Essa merda tava guardada lá em São Paulo na casa da minha mãe.
Enquanto eu procurava minhas cuecas na gaveta de calcinhas, Helena foi pro banheiro e quando voltou continuou a encher o saco.
— O Marquinhos sabe disso, Fábio?
— Não, Helena, é óbvio que ele não sabe. E nunca vai saber, porque vamos seguir o acordo e nunca mais falar sobre isso.
No domingo, em São Paulo, me encontrei com o Marquinhos num café da Paulista.
— Como foi com a Helena?
— Ah, mano. Foda né… Foda…
— Ela não disse nada?
— Disse umas merda lá…
— Sobre o quê?
— Mano, falou merda, sobre a gente, sobre nosso passado, enfim. Foda. Não tem muito o que falar. Foram 15 anos de namoro.
— Ela falou daquilo?
— Escuta aqui, Marcos, você sabe muito bem que a gente combinou de nunca mais falar sobre aquilo.
Marcos calou a boca e pediu a conta.
— Uma hora ela vai descobrir, Fábio…
— Se ela descobrir teremos mais um assunto sobre o qual nunca mais falar, Marcos…