Mais um Domingo

Renato Gonzaga
Ensaios sobre a loucura
3 min readAug 26, 2015

Por Renato Gonzaga

Era mais um domingo. Roberto colocou água para ferver e fazer café. Adquirira, ao longo dos anos, o costume de beber todos os dias, sem saber ao certo se gostava mesmo do café ou das lembranças de seu avô, que eram desenterradas ao saborear o gosto amargo e vivo da bebida.

Enquanto a água fervia, Roberto ficou parado ao lado do fogão fitando o movimento das chamas azuis, tentando pensar em nada e em tudo ao mesmo tempo.

Seu avô fora o único homem da família que Roberto amou e respeitou. Sentia-se pesaroso por não ter aproveitado melhor a companhia do velho, e por todas as coisas que deixou de dizer e ouvir ao não dar tanta importância àquele que foi tomado pela demência por conta da doença que lhe tirou a vida.
Após concluir os rituais matinais — ser o despertador dos mais jovens, lembrando-lhes de suas obrigações diárias, varrer as folhas secas da varanda e tomar seu bom e velho café — seu avô sentava-se na calçada e apreciava o sol da manhã. Era essa a visão mais viva que Roberto mantinha na memória.
Pedia-lhe bênçãos todos os dias, apesar de nunca ter sido religioso. Acreditava que seu avô realmente tinha autoridade suficiente para concedê-las.

Café pronto. Roberto despejou uma boa quantidade na xícara e sentou-se em frente ao computador, descendo a barra de rolagem do Facebook. Eram sempre as mesmas notícias, os mesmos rituais, o mesmo vazio. Roberto sentia-se irritado com a maioria das coisas que lia, mas ainda assim as lia. Não conseguia entender como as pessoas haviam se tornado tão brutalmente superficiais. Será que era assim no tempo de seu avô? Será que sempre foi assim?
Leu a reportagem sobre um garoto de 13 anos que havia sido espancado e morto por supostamente ter roubado uma bicicleta. Roberto sentiu vontade de chorar, sem saber ao certo o motivo. Pensava no menino que teve a vida encerrada por um motivo absurdo, uma morte tão cruel para alguém tão jovem. Como será que as pessoas teriam reagido a essa notícia no tempo de seu avô?

Terminou o café e desligou o computador.

Colocou uma música para tocar no celular enquanto tomava banho. Sua cabeça pesava ao pensar no vazio em que a vida se tornara e novamente teve vontade de chorar. Chorar pelo menino? Chorar pela saudade de seu avô? Chorar por saudade de si mesmo? Não sabia ao certo. A única certeza que tinha era a de que o peso do vazio em seu coração era muito maior que o peso de todas as lembranças que se esforçou para enterrar.
Roberto podia chorar debaixo da água corrente do chuveiro sem notar as lágrimas. Podia chorar enquanto tomava banho sem que outras pessoas notassem. Roberto podia simplesmente chorar, mas não chorou. Assim como não disse tudo que o gostaria ao avô, na breve ilusão de infância de se achar que as pessoas não morrem. Assim como o garoto de 13 anos não imaginou que morreria tão cedo por algo que no tempo do avô teria sido apenas mais uma travessura, daquelas que se pune com algum castigo comum.

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