Me acostumo, mas eu não te esqueço

João Paulo
Ensaios sobre a loucura
2 min readFeb 13, 2018

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Guardei-o em uma mesa de cabeceira, onde cabe três vidas inteiras: a imagem dele deitado em um colchão. Deixei-o zelado ali onde a distância não tem medida, onde o espaço sobra, mas não cabe quilometragem nem horas, apenas a velocidade da luz. Eu o vi, o sorri, o tirei da gaveta e limpei as poeiras das minhas memórias. Ele é um ponto de tudo no nada, mas também é um vazio em uma rua onde desce o carnaval. Por fora, mas nunca alheio. Um ponto de equilíbrio, mas, a homeostasia está desregulada. Vai e fica, fica e vai… Eu o sou em minha rotina, na ponta do meu lápis e no branco do papel. Último pensamento antes de deitar, alguém que aprendi a amar de longe.

Vi ele esses dias, mas de perto nem o lembro mais. Embora o tempo em que não o via, eu o vivia. Revivia-o e o bebia em cada gole de vodka que descia, não para esquecê-lo, mas para manter a sobriedade de quem está acostumado a caminhar em terras distantes. Vi e não vi… de perto escutei o grito do seu silêncio, o silêncio dos seus passos às quatro da manhã, a colher raspando no prato e a música que ele cantava no banho. Ouvi a ânsia adentrando minha garganta, minha voz ficando pequena por dentro. Eu o bebi em cada música que dançava sozinho na sala e em cada esquina onde nosso amor não se encontrava, em cada estrela que lhe dava de presente. Meu sujeito tem poucas palavras. Sujeito bonito, finito. Nós, efêmero…

A gente vai dar certo. A gente se dá? A gente?

No fundo não há tempo para esquecimento. Eu me acostumo, mas eu não te esqueço. Minha auto-sabotagem. Acostumo. Te esqueço? Chegou minha hora. Meu coração vai novamente buscar abrigo no fundo da gaveta.

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