Meu ateísmo juvenil apaixonado

Felipe Moreno
Ensaios sobre a loucura
2 min readMar 7, 2018
(Clayton Cubitt)

Fui um ateu ferrenho dos quinze aos vinte. Hoje, aos vinte e quatro, sou qualquer coisa que pende entre o crente e o cético; ou ao contrário. Também não é ser um agnóstico. Enfim, é ser qualquer coisa que é muito difícil de dar nome. Porém, antes de todos os questionamentos chegarem, eu era só um menino católico que, aos poucos, abandonava o hábito de rezar todas as noites antes de dormir, e que ainda mantinha um chama morna da ideia do Deus antropomórfico, o Deus moral, aquém às coisas da natureza; o Deus que a maior parte do mundo ainda crê.

Por fim, o ateísmo repentino, fulminante, aos quinze anos de idade. Conhece o cidadão que, do dia para o outro, começa a frequentar a igreja e aparece convertido, a Bíblia debaixo do braço, arrependido de tudo o que fez no passado, carregado de um falatório catequista etc. etc? Eu fui um caso quase que contrário a esse. E quem me deixou assim foi Nietzsche, em seu O Anticristo — mesmo eu não tendo entendido metade do que dizia o livro. Mas me marcou profundo — e, a partir dali, a minha descrença não teve tamanho.

Mas o que eu quero dizer é o seguinte: o meu ateísmo juvenil não tinha nada de pessimista, niilista, depressivo. Muito pelo contrário: na minha absoluta falta de fé havia um impulso religioso — religioso às avessas — bastante alegre e devoto. Foi na total descrença em providências, propósitos divinos e coisas do tipo que eu pude ter a minha primeira grande paixão pela vida. Eu estava sinceramente arrebatado pela ideia de um caos que era a origem de tudo. E só assim eu pude perceber que a concepção de uma vida que não se significa por ela mesma, que é também ocasionada por propósitos superiores, feito um enredo gigantesco, e recheada de princípios morais intrínsecos, essa sim simplesmente me rebaixava, me entristecia.

Que a vida era pura libertinagem e despropósito me entusiasmava muito mais. Eu acordava todas as manhãs, às sete, para ir ao colégio. Abria a janela e via os primeiros sinais do dia, a brisa fresca, pura, o burburinho das aves, e refletia, feliz da vida: “É bem melhor saber que a vida é somente esse devir, somente essa natureza implacável e amoral, essencialmente amoral”.

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Felipe Moreno
Ensaios sobre a loucura

Haicaísta com ternura, prosador com afiação (e vice-versa). Autor de “o bambu balança” (Bestiário, 2022): https://tinyurl.com/36r2kc4j