Moda, Etiqueta e Vestuário no Ambiente de Trabalho

Danilo Ribeiro
Ensaios sobre a loucura
3 min readJun 7, 2019
Glitch Art por Nicolas Milanes

A calça já não era tão verde oliva quando tirei da maquina de lavar. Muito menos do número que minha tia achou que eu vestia quando me deu de amigo secreto de 5 anos atrás. Somada a dor de cabeça, aquele erro era o lembrete ideal de que a melhor coisa a se fazer quando se chega em casa bêbado e cheio de vontade de mudar o mundo partindo do próprio quarto, lavar a roupa que vai usar no próximo dia não é uma boa ideia. Tomar um banho é.

E então me encontrei atrasado, azedo mas ainda ousado. Afinal , aquele objeto grotesco, distorcido e manchado poderia não ser mais um item de vestuário categorizado como “calça”, entretanto, suas novas qualidades abriam portas para transformar o desastre em uma peça única. E foi o que se tornou, apos dois cortes rápidos assimétricos no que julguei ser abaixo do joelho.

Agora faltava o resto do look do dia.

Em situações comuns um sujeito do sexo masculino com a carteirinha de heterossexual carimbada como eu não admitiria que passei preciosos minutos caçando a bota que havia comprado num brechó a meses atrás. Aquele dia era o momento ideal para coloca-la em uso. Ela podia ser “excêntrica” e “incomum” pra uns, “tosca” “escandalosa” pra outros, maior que meu pé e me fazia parecer um palhaço para mim, mas eu a amava. E numa situação comum também não perderia muito tempo selecionando a já icônica camiseta cinza com logo de banda que ninguém como o toque final.

É curioso que uma das coisas que contribuíram para o sucesso como espécie é a nossa falta de pelos no corpo — por sua vez a invenção da roupa. A gente pode não precisar mais modular a temperatura pra sobreviver, mas se encobrir de pano ainda tem sentido poderoso: comunicação. Tudo o que escolhemos colocar é uma narrativa, uma história sobre onde estivemos, o que estamos fazendo, quem queremos ser. E neste dia em particular eu queria ser bonito. Praticamente um fashonista. Um chuchu de chocolate. Uma bloguerinha da moda proletária.

E fui ansioso até o trabalho. Aprendi com a outra estagiária e aspirante a “influencer” que citar casualmente o preço relativamente acessível da peça em questão é uma maneira de contar vantagem sendo humilde. Algo como “A bota? Achei num brechó! uma pechincha!. Ah, o shorts? era uma calça da Renner, menina! Customizei para ficar minha cara.” Vai amplificar ainda mais a visão que terão do seu suposto bom gosto. É um meio de se achar melhor do que todo mundo sem soar arrogante. Nem sempre funciona.

A primeira a notar minha pompa de visual foi a senhora responsável pela limpeza. E era a ultima pessoa que queria encontrar naquele dia. Matriarca e líder espiritual dos funcionários, era muito mais do que a única “colaboradora” que esteve lá desde a fundação. A veia era uma instituição no ambiente do trabalho. Uma lenda. A roleta de expressões faciais por segundo que seu rosto enrugado foi no minimo incomum. Entre, surpresa, indignada e confusão, ela travou alguns segundo num misto entre intrigada e curiosa. Até que clicou.

Ela não só riu. Ela perdeu o ar. Depois de 15 anos de empresa e dois ataques cardíacos naquele mesmo pátio, acharam que esse era o anuncio de sua aposentadoria forçada. Depois do choque inicial, levou um tempo pra preocupação passar e todos ali então reunidos entenderem o que o que ela quis dizer: “Parece um palhaço. Não, Parece o Chaves”

É.

Eu não consegui trabalhar naquele dia. Fui assediado pelos colegas de trabalho por fotos. A equipe de atendimento, sempre bem vestida e perfumada, fingiu rir comigo. A galera do planejamento entrou numa discussão conceitual com o povão de criação e onde divergiram do porque me vesti assim: se era um protesto pacifico contra as demandas absurdas nas normas de trabalho ou se era uma performance artística. Concordaram que eram os dois, sem pedir minha opinião. O conforto veio dos mais próximos: os outros estagiários só riam de ridículo mesmo.

Anos depois de sair de lá, descobri que este momento ainda é lembrado com carinho entre todos os que participaram. Nem sempre lembram do meu nome, mas me consolidei como tema constante entre encontros de ex- funcionários saudosistas “…lembra quando o estagiário veio vestido de Chaves?”.

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