“Não é bom que o homem esteja só”

Daniel Maia
Ensaios sobre a loucura
2 min readMar 11, 2020
A Criação de Adão (Capela Sistina) — Michelangelo

O segundo relato da criação do homem, presente no segundo capítulo do livro do Gênesis, na bíblia, mostra quão antigo e quão grave é o problema da solidão.

Não somente antigo e grave mas também um problema que se demonstra universal. Pode-se usar para atestar essa afirmação o fato de o senso comum absorver tão bem aquele famoso jargão aristotélico de que o homem é “ser social”. Jargão este de cunho filosófico sim, mas também antropológico.

Deparando-se com esse problema, Karol Wojtyla, o tão bem quisto Papa São João Paulo II, aponta para o homem revelado pelas sagradas escrituras como “categoria antropológica” em suas catequeses sobre a teologia do corpo. Partindo disto e da influência da filosofia personalista, escola da qual era grande expoente, ele identifica a solidão como caractere inerente ao ser do homem, mas diferentemente do existencialismo, ele atribui um sentido a esta característica.

A solidão do homem lhe mostra que o sentido para a sua vida não está em si, mas fora de si. Esta afirmação, embora profundamente teológica, não se esvazia se lhe abstrairmos seu valor teológico. Pelo contrário, ao fazer isso, o psicólogo Viktor Frankl fundou a escola da logoterapia.

Ademais, considerando isto, podemos explicar ao menos uma das causas da solidão contemporânea: ter como meta de suas relações, principalmente, a satisfação de si. Deste modo, não importa quantas relações o indivíduo possa ter, inexoravelmente se sentirá só, porque está focado em si, quando deveria ser dom, entrega generosa de si. Acontece que o custo de manutenção de uma relação que o realize como pessoa é extremamente alto nos nossos dias, onde se determina como regra para busca pela felicidade o egoísmo. Não há como haver sucesso desta maneira: busca-se satisfação pessoal sem realizar a pessoa por suas relações.

Deveras não há pessoa sem relações. E toda relação humana deveria estar ordenada para este bem. A saber: da doação de si para o outro. Sabemos há séculos por causa da astronomia que o homem não é o centro do universo, porque deveria ser assim com suas relações?

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