Não saber, ser?

Marcela Vieira
Ensaios sobre a loucura
2 min readMay 19, 2020

Algumas vezes tentei definir o que era real e distingui-lo da ficção, da fantasia e dos fantasmas existenciais que me acolhem. Nunca tive muito sucesso com a tal realidade; literal ou não. Talvez ela sempre tenha me assombrado ou simplesmente fugido do que entendo por mim.

Percebo que definir realidade seria como achar uma verdade; mas, qual verdade tento achar então? Conan Doyle, Woolf e outros que li recentemente tentaram definir algumas delas, mas nem mesmo depois de apreender o que eles escreveram consigo chegar num consenso comigo mesma. A névoa que ainda existe sobre isso que não vejo continua me parecendo muito impenetrável. Me perco pensando como estes que vieram antes de mim conseguiram vislumbrar o isso tão impensável, invisível, inviável?

Lacan e tantos outros estudiosos também tentaram definir se distanciando da poesia, mas me ater a ver linguagem, sofrimento e angústia ainda é turvo demais pra comparar. Tudo que vejo do indizível nunca parece o suficiente. E por isso falho na tentativa de transmiti-lo; descortinar algo para si é suficientemente trabalhoso, descortinar para os outros deveria ser adicionado aos trabalhos que Hércules teve que cumprir.

O poeta deveria saber fazê-lo, por isso afirmo que não o sou, como poderia? Se minha missão como alguém que escreve fosse essa, então eu viveria numa constante paranoia tentando perceber algo que foge do meu campo de compreensão, ou até mesmo da existência. Tantos outros conseguiram, descortinaram-se e deitaram-se de peito aberto para quem quisesse lê-los. Poetas.

Então de súbito me percebo na verdade de que eles não descortinaram o indizível, mas a si mesmos; e aquilo bastava. Então tento fazer que me baste. Sobre o tal “real”: hoje entendo que não vejo, não ouço, não sinto. Mas vivo. E tenho que viver. Minha sina é estar amarrada nesse viver de insaberes que nunca serão respondidos.

Por hora, isso me basta. Mas fico sempre no aguardo de um amanhã que até agora não chegou.

E talvez essa seja a minha verdade e o meu real.

Mesmo que nem eu seja.

“Uma vez eliminado o impossível, o que restar, não importa o quão improvável, deve ser a verdade.” — Sherlock Holmes (Sir Arthur Conan Doyle)

“O que se entende por “realidade”? Pareceria ser algo muito irregular, muito incerta… ora para ser encontrada em uma estrada poeirenta, ora em um pedaço de jornal rasgado na rua, ora um narciso sob o sol.” — Virginia Woolf

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Marcela Vieira
Ensaios sobre a loucura

Condenada a viver e morrer escrevendo crônicas e cartas provavelmente medianas.