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O amor não me cai bem

täkwila
Ensaios sobre a loucura

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Do I, do I
Do I love?

Sinto seu olhar oblongado que irradia da periferia da minha visão. Ela me encara com o olhar fixo, perfeitamente retilíneo como corda esticada entre dois polos. Mas meu nó é fraco, a amarra não sustenta. A corda afrouxa e desfavorece a travessia.

Can I, can I
Can I get enough?

Eu observo os seus sinais. O olhar distendido que me encara sem razão ou motivo enquanto estou distraído. A mão que procura a minha nas caminhadas pela calçada. O sorriso de pronto acesso e longa estadia. Eu já vi isso antes.

Things like this ain’t built to last
I might just fade like those before me

A iconografia típica da linguagem dos gestos. Sutis como um sussurro ao pé do ouvido. Particulares, íntimos e privados. Por vezes, inconspícuos como o flerte mais requintado. A mão que repousa na curvatura do bíceps por tempo demasiado. O deslize retardado, enfirmado das palmas por sobre a musculatura das costas no desatar de um abraço de despedida. Coisas que não são para serem vistas, somente percebidas.

Yeah, don’t run away, love
Hate love, heartbreak will have you bankrupt
Too many days in a daze, better wake up

Eu já disse muito do que não queria dizer ao dizer nada e confirmar com meu silêncio medos que eram de fato reais. Em outros momentos, disse o que era necessário dizer e constatei que a verdade é costumeiramente grande demais para ser absorvida de uma só vez. Ainda assim, há mais esperança em tentar conter a maré com um balde do que guardar a verdade longe da vista de qualquer pessoa que bem lhe conheça.

It’s so much better when you wait
Forever and a day, that’s all I got

Nas madrugadas, embebido e desvariado, minhas intenções mais primitivas afloram. De manhã, desfaço os estragos ou dou continuidade a tramoias que usualmente culminam em sexo intenso e conversas desprezíveis, ambos descartáveis como os preservativos na lixeira de um banheiro de motel.

Put it together then it breaks
All the energy it takes, it never stop

Tudo poderia ser muito mais simples. Podia ser o caso de que tudo que eu desejasse ser esta vida permissiva. Que ela não só me bastasse, mas me suprisse. Só que isso não poderia ser mais distante da verdade. Eu vivo esta vida muito mais por estar disponível do que por satisfação própria, tal como a cerveja gelada durante uma conversa interessante. Se me fosse retirada, não me faria falta. E a verdade é que na maior parte do tempo ela só me gera enxaquecas.

It’s been my fault, I keep it safe, it’s in the vault
Blindfold her, keep it going ’til we hit a wall, yeah

Certa vez, um grande amigo meu me contou a história de quando se meteu em uma discussão para acudir uma mulher que estava sendo agredida por um homem. Sua boa ação resultou que fosse espancado por um grupo de milicianos. No caos da situação seu celular caiu do bolso e, ao se reerguer do chão para procurar o aparelho, um dos homens revelou uma pistola que carregava na cintura. Desistiu do aparelho e em seguida chorou. Pediu a um amigo que lhe amparava para que ligasse para sua namorada, pois tudo o que queria era vê-la naquele momento de desespero.

Do I, do I, do I love?
Can I, can I, can I get enough?

E aí está a competência que me falta. Eu não sei conciliar o vazio que há em mim com qualquer outra pessoa. Pois eu moro nesse vazio, eu aprendi a sobreviver e me reconfortar dentro do escuro da minha alma. E a noção de habitar ali com outro alguém não é plausível para mim. Aqui cabe o meu corpo, mais ninguém. Meu maior receio talvez seja engolir outra pessoa com uma de minhas feridas abertas. E por essa razão eu me abstenho em meu silêncio. Eu não grito ou elevo a minha voz. Eu prefiro fazer por mim e pelos outros do que ter reciprocidade. E a verdade é que muitas mulheres se cansaram com razão desse não-lugar que lhes sobra. Mas outra verdade é que, quando finalmente escolhem se afastar, eu me encho de um suspiro de alívio. Pois quanto mais próximo de mim, mais confuso fica. E, tal como um ouriço, já machuquei pessoas que quiseram muito me abraçar.

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