aleksandr burzinskij

Pé de Moça

täkwila
Ensaios sobre a loucura
5 min readMar 6, 2022

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A luz do quarto aguça o transe. Projeta sobre as paredes sombra da palavra. Verbo de primeira pessoa do presente do conjuntivo. Verbo de terceira pessoa do presente do imperativo. Eu. Ela. Nós. Em transe.

O transe é perfume cujo aroma exala das horas. Primordialidade espúria de tentar capturar o momento presente em alça-pé. Vaniloquente igual sonhos pelos quais valeria a pena lutar.

Minha verborragia loquaz se impõe como um véu que ela rasga banalmente. Que bom que boca também tem poder pra calar. Que nem todo abafo sufoca. Seu hálito cálido é capaz de coser as palavras. Tem temperatura. Tem tempero. Leva ao limite que existe antes da ebulição. Ferve meu corpo e purifica.

O contato entre toque e olhar intensifica sinestesia. Eu penetro com mais que carne. Com mais que paixão. Penetro com tudo que eu sou. Cerro as cortinas do tempo e lapido as comportas dos medos em sua estadia. Em um quarto altivo como a torre de um castelo nós elaboramos fábulas e finais felizes.

Sua pele tem o gosto que cheiro de terra molhada engana ter e agora que sei que sereias existem não quero que volte pra casa carregando mais rios nos seus olhos.

O que tu traz vai muito além do inelutável apelo das suas curvas, dos seus lábios, dos seus olhos, da sua entrega ou do erotismo em brasa do seu sexo. É mais que o brilho intenso. Há radiância. Sem seu assunto, seu espírito ou a sua poesia, muita coisa ainda seria pouco. Era tudo vaidade não fosse você.

A arquitetura de palácio mura interior de um templo. Abençoado sei que sou pela aceitação concedida às minhas orações. Espero que a devoção da prostração agrade. Minha linguagem, também minha língua. Nas palavras falta expressão que o toque traz.

Percebi que anjos se distraem quando a gente transa e até aqui eu não sabia que sexo podia ser santo. Te conto até do que não sei com a aptidão de um cego que tateia as paredes encontrando seu caminho de casa. Tu é meu mistério e meu lugar. É mar e farol. Meu mapa e minha lanterna.

É raro que as mãos compreendam tão ligeiramente o dialeto das formas. Tu me molda de pedregulho a busto em mármore com a gentileza meticulosa de uma escultora dona de delicados golpes do cinzel. Minha musculatura enternece em suas mãos feito argila úmida. Atiro minhas armas ao chão e assim esqueço. As encontro depois todas embotadas. Meus braços exaustos demais pra guerra.

Eu devoro com os olhos a sua fisionomia. Lambo nos dedos o marrom das suas costas. Degusto a tesura. Atiço o seu sangue. Nos meus lábios boca e cabelos, nas mãos quadril e nádega. A rotação das ancas evoca lembrança de brincadeiras de bambolê. Há alegria de infância. Há até certa inocência. Pairando seu sorriso de moleca rente olhar de maldade.

Quero ser seu brinquedo favorito. Quero morar no seu armário. Quero que me guarde e depois pegue de volta. Quero que sinta minha falta de noite. Que tu me procure com afinco nas vezes que me perder por debaixo do cobertor. Quero também que não me dê de graça.

O benevolente é indiferente ao crédito enquanto que a condição do humilde preceitua embaraço. Sobre seu talento incide interjeição de ambas personalidades. Por isso queria dar mérito devido aos feitos realizados. Às proezas cumpridas.

Como quando aquela vez que montada em cima de mim cavalgou com tanto ímpeto que carregou a cama de parede à parede no galope. Foi que na hora eu ri e não sei se me entendeu que ria pelo prazer literal da vitória e não por escárnio de suposto vexame que fosse.

Eu quero morar dentro de você como um desconforto bom. Ser o seu tombo de bicicleta favorito. Aquele em que não se quebra nada, o mais honroso e condecorado.

Quero esquecer que um dia o tempo vá nos vencer. Lembrar que a vida de fato nunca foi e nunca será derrotada.

Sou feliz pela coragem que tivemos de viver isto tudo ainda que sinta que me mira com um dos olhos enquanto que do outro encara as linhas turvas de um epílogo vindouro. Não sei supor porquê pra tanto medo. Talvez meus olhos não te contem o bastante. Talvez tu se conheça demais. Sei que é pena.

A cabeça encaixada no meu peito. Compasso provisório da caixa torácica. Bateria dos sambas da vida. Instrumento de percussão e regência que embala desfile. É aí que tu mora. Relação mestre-sala e porta-bandeira.

Flor secreta do meu jardim, não quero arrancar ou machucar a sua raiz. Amo demais pra fazer assim. Só te machuco do jeito que me pede ou quando sinto na sua voz que precisa. Porque nem tudo que penetra é faca ou mata. Nem todas as dores nos ferem. E maldade bem intencionada é a caridosa.

Te dou do que tu promove. Do que dispara dos seus olhos e se aloja no córtex frontal da minha razão. Selvageria latente que a cinocefalia bem sucedida de seu feitiço evoca em mim. Por isso te cavo como se quisesse tirar tesouros pra levar pra casa. Escambo perfeitamente indecente em que se deixa tanto quanto pega.

Meu pau enrijece outra vez. A força da prontidão se dá da libido afetiva. Eu amo o seu corpo em todos os seis sentidos. Amo a sua inventividade. As ideias e ângulos que atreve e propõe.

Se entrega pra mim do seu jeito mais sincero. Entrega até as palavras. Rende tudo pra mim.

Nessa conversa entre universos que se mesclam nossa troca uma energia que superaqueceria disjuntores no paraíso. Tu é um incêndio generalizado na floresta dos poros. O orgasmo uma morte doce com auge de vida.

Tu se veste bem de mim. Sabe usar de bom gosto e leveza. Só me despeço do texto por não ser despedida de você. Por fim devo assim revelar uma reviravolta estapafúrdia de eventos.

Eu não sou o poeta que conhece. Sou um arauto dos tempos pósteros que te escreve através das brumas do tempo. Vim dizer coisas que ainda irão suceder.

Sei que tu vai sorrir pra mim.
E que vou sempre te sorrir de volta.

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