Palha Corbonizada

Gabbie Coelho
Ensaios sobre a loucura
3 min readSep 6, 2018

Dante chegou como quem não quer nada. Pediu-me um isqueiro emprestado. À seguir todo o meu maço de cigarros. E por fim, um trago do último cigarro que eu estava a fumar.

Acomodou-se dentro do meu corpo, enebriando os meus sentidos. Aumentou gradativamente o efeito e a invasão por minhas entranhas até que a antiga “eu” passasse a ser uma perfeita estranha. Destroçou qualquer resquício de dicotomia. E em algum momento também passamos a ter algo simbiótico.

Os espaços foram se diminuindo e nos tornamos algo similar a uma esfera imperfeita, mas ainda assim uma esfera.

A vontade de corresponder a demanda dele, conduziu o meu corpo a um ritmo delimitado pelo externo. Ao qual, as necessidades tinham como única finalidade atingir o fim independente das consequências que se podia gerar no meio.

Meu corpo estava começando a ficar frágil devido a exposição desregulada de fumar muitos cigarros de palha numa rotina prejudicial. Nós sempre fumávamos à mesma hora, a mesma quantidade e compartilhávamos o mesmo cigarrinho. Eu estava completamente a mercê de uma frequência que não era determinada por mim e sim por ele, além de que muitas vezes era demais para meu frágil corpo resistir.

As reações fisiológicas do meu corpo logo se modificaram. Portanto, daqueles nossos tragos ora se viu minhas mãos suando frias, minha pressão caindo, disritmia cardíaca e n’outras a mais pura imersão num momento de imensurável prazer e satisfação. É como dizem: “sempre há um preço a se pagar na busca por atingir o ápice.”

Como já era de se esperar, quando se olha para o infinito se encontra um mar carregado de possibilidades. Há algo de bom no mal, e mal no bom. Por isso, sempre soube que havia a chance de um, outro ou ambos ocorrerem, era igualmente provável.

Em meio a tantos tragos de gozo, percebi que meu corpo já estava definhando. Eu não tinha mais estruturas para continuar. Meu pulmão já não mais conseguia suportar, e o oxigênio — que circulava pelo meu corpo — já não tinha mais a mesma qualidade de outrora. Certo dia, tive uma crise severa de falta de ar, e foi assim que eu passei a precisar da ajuda de aparelhos para me recompor até me adaptar e voltar a respirar sozinha com a qualidade similar de antes.

Desfiz-me dos cigarros e de Dante. Afinal, os únicos momentos em que conseguia tê-lo, era quando compartilhávamos o trago. E eu não poderia mais retornar àquele tipo de vida. Não queria me matar ainda mais para me fazer caber num espaço, que na realidade dos fatos, tinha o contorno da minha cova.

Hoje, quando eu vejo um isqueiro ainda fico saudosista. Lembro das partes bonitinhas, e me retenho ao máximo para não cair em tentação.

E sim, eu tenho conseguido apesar de saber que os deleites daquele tempo sempre estarão compondo todo o meu corpo. Ainda assim, não me arrependo do dano que me permiti ser causada mas não me atrevo a me colocar no mesmo risco novamente.

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Gabbie Coelho
Ensaios sobre a loucura

a beleza da poesia instaura a necessidade de misturar o real a fantasia. então aonde acabou um para começar a outra em cada linha transcrita?