porque era ele, porque era eu
no começo, é só dor. é a angústia e o coração doendo. é a vontade de arrancar à força física do próprio punho aquela figura que antes ocupava um lugar cativo e querido, mas agora ocupa as entranhas da sua memória. da sua visão, que tudo atrela e emparelha àquela face.
de todos os traços, me lembro profundamente. cada dia é uma vitória só por não ter morrido de pensar naquele rosto, naqueles momentos, naquele corpo ardendo sobre e sob o meu, naquela coincidência de pensamentos e personalidades, que por um breve intervalo de tempo — irrisório, comparado a uma vida inteira, mais ainda comparado às mazelas de todo o mundo — deu certo. deu tão certo, que quando parou de dar certo, doeu como se além de dar errado, desse uma doença na gente.
no começo, toda música manda um sinal, todo sinal é comprometedor. todo sinal vira vontade de ter de novo o que já foi. todo filme, todo livro, até as aulas da faculdade lembram as feições e os feitos.
depois de meses, ao longo dos meses, percebe-se que tudo se abranda, se atenua. as memórias de dolorosas e cruéis, passam a ocupar um lugar da saudade não mais pesada, mas da nostalgia boa. e você até sente que poderia existir um tempo e um espaço em que as duas almas se reencontrassem no mesmo mundo, de forma que toda essa dor fosse colocada de lado para esse reencontro. mas não. você já pensa com a cabeça. desembaralha as sensações e coloca-as nos seus devidos lugares.
mantém as relutantes memórias num espaço reservado a elas, respeitando-as e aprovando-as, porque entende. finalmente. mas só praquele lugar. e se pergunta se algum um dia randômico e provavelmente muito cheio, você vai se esquecer de lembrar delas.
você até ouve as músicas que havia parado de ouvir pra não reforçar todo aquele ranço e paixão, você nem vê mais a série que mantinha a conexão, você não vai mais à cidade de que tanto gostava.
você encontra outra pessoa.
e num movimento repetitivo e modular, percebe que o foco muda, e o que te fazia ficar ansioso, ocioso e maluco, agora são outras as coisas. de repente, de um dia para outro, exatamente como você previu, num dia corrido e estressante, não houve espaço: nem pra lembrança que dói, nem pra lembrança comum.
graças a quem? — eu me pergunto.
o sujeito dessa ação parece ser composto de tempo, circunstância e o “eu”, heraclitano, lacaniano, freudiano, ariano.