Quarentena surreal(ista)
Sabe, você não passa de matéria orgânica se decompondo em seu apartamento. Deixando escamas de pele por toda parte. Se partindo em mais de mil e uma partículas de seu DNA. Disforme por estar tanto tempo sentada no mesmo lugar, sinto meu corpo derretendo se fundindo ao sofá da sala, como em uma tela de Dalí. Um paraíso infernal, denso e lento, muito muito lento e morno.
Não sei que dia é e nem que horas são, mas tem dias que de tanto ir da sala pro quarto, do quarto pra cozinha, me pergunto quantas vezes já passei por esse corredor nas últimas horas. A casa é pequena, mas parece infinita e profunda como naquelas imagens do Escher que emendam o fim ao começo e vice-versa. Mas que na verdade não tem nada disso, são um vórtice de labirinto infinito.
Vou até a janela respirar, paro no parapeito, recosto o rosto no canto onde bate sol. Faço minha fotossíntese junto às plantas que insisto em cuidar pra fazer da casa um lar. Meu cacto quase morto me encara, com certeza me julgando encharcado de nada mais do que meu insensato descuido, mas ainda respirando assim como eu. Pega sol, sobrevive.
Sinto um prazer estranho com as mordidas do meu gato, cheiro seu corpo bem de perto e me acalmo e lamento demais por todo carinho que eu dou e recebo de volta, mas não me são suficientes. Aliso seu pelo e quase lambo, o aperto de um jeito que o animal quase foge… penso como é satisfatório ter uma vidinha nas mãos. Mais e mais mordidas e arranhões que não me assustam e nem afastam, instigam meu masoquismo e só me fazem sentir mais uma humana fora do eixo em abstinência. Mas calma, estamos todos em quarentena e à flor da pele.
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