reflexo

cria e criador

H.
Ensaios sobre a loucura
1 min readMar 3, 2021

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Imagem de: Astrid Babayan

os meus olhos míopes por você entendem a sua despedida como um até logo. como se você estivesse se despedindo de mim apenas para ir ao trabalho — à padaria, ao posto, à casa de algum amigo. meus olhos míopes não entendem o real sentido da sua ausência. não entendem que a sua partida é de alguém que já se foi há muito e não voltará nunca. os meus olhos míopes, coitados, ah, os olhinhos… eles continuam vibrando por debaixo dos óculos, que não atendem só à toda a sua miopia, mas também ao astigmatismo, que os impossibilita de fitar o teu rosto com nitidez. os meus olhos míopes, e astigmáticos, insistem em sorrir por baixo da máscara, ainda que te vendo de longe, ainda que te vendo de costas, com a mão parada na maçaneta. os meus olhos tão dissimulados, tão inconclusivos, não conseguem distinguir o que é real e o que é fumaça. não conseguem.

eles só não conseguem. mas o ouvido escuta a música, ignorando a letra; o dedo ainda sente a arte molhada debaixo do papel canson. ainda há riscos espalhados pela casa, algumas palavras se deitando sob os cadernos.

e seguem esperando você retornar pela única porta do nosso apartamento apertado e calorento.

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H.
Ensaios sobre a loucura

Um pouco mais que um grão de areia, um pouco menos que um cavalo.