Sementes

Ivan Nery Cardoso
Ensaios sobre a loucura
3 min readJul 6, 2020

Foi o Paulinho que disse que a mãe dele disse que a gente é como se fosse umas sementinhas de gente grande. Que os adultos são que nem as árvores, e a gente é umas sementinhas, nasce bem pequenininho e bem fraquinho, mas aí a gente cresce, cresce, cresce e fica grande e forte que nem a árvore no fim da rua, que é bem grande e forte e aguenta quando a gente sobe nela e fica pulando nos galhos, mas minha mãe não gosta quando eu subo porque diz que eu posso cair e me machucar.

Eu quero crescer e ser adulto, mas não sei como que a gente faz pra crescer, nem o Paulinho. Quem sabe é a Iara, que brinca de jardinagem com a mãe dela, que diz que é paisagismo, e não jardinagem, mas eu não sei qual é a diferença. Ela disse que a gente planta uma sementinha debaixo da terra e depois rega todo dia, todo dia mesmo, e espera crescer. Tem umas que crescem bem rápido, e tem outras que demoram, mas regando direitinho e colocando uns produtos que a mãe da Iara deixa numa prateleira bem alta porque diz que criança não pode pegar, elas sempre crescem e um dia talvez virem árvores. Aí eu falei pra Iara que queria virar adulto que nem as plantas, e a Iara falou que ia ser divertido, que a gente podia me plantar primeiro, ela ia me regar todo dia, e depois que eu crescesse a gente podia todo mundo se plantar e virar adulto, mas não ia contar pra ninguém, ninguém mesmo.

Aí a gente cavou, cavou, cavou bem fundo, mas não tão fundo pra não chegar na China, porque aí ia ser um túnel e não um buraco, e isso a gente faz outro dia, quando já for adultos. Uma hora a Iara falou que já estava bom de cavar, e eu pulei lá dentro do buraco, gritei primeiro!, primeiro!, e fiquei deitado, porque de pé sobravam os braços e a cabeça pra fora, mas a Iara disse que é assim mesmo, que as sementinhas tinham que ficar inteiras debaixo da terra, que era ali que ela começava a crescer pra depois sair do chão e virar árvore.

Aí eu fiquei deitado na terra e eles começaram a jogar terra em cima de mim pra me cobrir, primeiro as pernas, depois a barriga e o peito, aí eles falaram que iam cobrir minha cara e falaram tchau, e eu falei tchau e fechei os olhos pra não cair terra neles, e eles começaram a jogar a terra na minha cabeça até me enterrarem todinho. E eu fiquei esperando aqui, todo contente, pra ver se crescia. Eles prometeram que não iam contar pra ninguém, vai todo mundo ficar surpreso quando eu sair daqui adulto, bem grande e forte, e puder mandar neles, que ainda vão ser crianças, e meus pais não vão nem me reconhecer, e eu vou poder subir na árvore do fim da rua quando eu quiser, e quando minha mãe gritar comigo falando que é pra eu descer, eu vou poder falar que já sou adulto, e posso fazer o que quiser. Vai ser engraçado demais.

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