#Sextô

Ana Paula Vilela
Ensaios sobre a loucura
3 min readJun 23, 2021
Photo by mohsen shenavari on Unsplash

Cumpri a promessa de fechar o computador às 18h. O mundo virtual poderia desabar, mas o meu mundo de verdade, esse não. Enchi uma taça de vinho, coloquei uma música, fui para o banho. Desativei o celular.

Falei para não me esperar, me deixar, hoje a noite era minha, sem muitos horários, regras, correrias. Peguei o livro, devorei algumas páginas, ainda pelada na cama. O frio do outono paulistano entrava pelas janelas e exigia alguma reação, adiada pelas páginas-rio de Carla Madeira.

Toca o interfone.

Lembrança do meu poço de água urbano. A máquina finalmente reagiu e, vitória!, conseguiram abrir e libertar as minhas roupas. Sim, desde às oito da manhã uma grande convenção no prédio se preocupava com o incidente: a máquina quebrou no meio do ciclo, bem na hora que estava com água até a boca. Como era dessas modernosas, potentes, se trancou com as minhas roupas e um caldo de água e tinta lá dentro. Aparentemente minha paleta de cores seria reduzida ao azul após a lavagem de hoje.

Mas a verdade é que a saga do dia não me abalou, a não ser por uma breve reflexão: seria tudo mal agouro do apartamento 153? Desci cedo, antes do horário de funcionamento do cérebro. Minha expectativa era só despejar as peças de roupa, um bocado de sabão líquido — me permito ao luxo — e um amaciante cheiro campo de lavanda. Só que, para tudo isso, tinha que liberar espaço em alguma das cinco máquinas da lavanderia do prédio. Escolhi a primeira — tinha só meia dúzia de roupas esportivas e, descobri mais tarde, algumas calcinhas fio dental do 153. Tirei, deixei de qualquer jeito no balcão. Pensei se um dia esse desleixo voltaria para mim. Voltou.

Desci.

Olhando de longe, diria que era um baile de máscaras e pijamas. Meia e chinelo era requisito obrigatório na entrada, e a nossa querida calça de moletom a última moda. Sinto que esperei uma vida por esse dia e, quando chegou, eu era a protagonista da noite. A conversa corria aos cochichos, alguns olhares de canto de olho, outros com mais empatia. Alguns tentavam puxar uma conversa, trocar um qualquer coisa de humano. Mas a minha saga, apesar das minhas falhas tentativas, ainda era com a máquina.

O chão virou um emaranhado de água, sabão e azul. Às pressas, torcia peça a peça, jogando de uma máquina para outra em um movimento de onda. O problema que de uma onda que escorre e, nesse caso, vira um princípio de lama e concreto. Os desavisados que desciam na outra direção, rumo a busca do seu pacotinho de ifood, davam uma espiada. Por falta de uma desculpa boa, acabavam não integrando a festa de máscara-pijama-sabão da lavanderia. Ouso dizer que um ou outro até fez a sua trouxinha e voltou em busca de algum entretenimento. Mas já estava no fim.

A máquina 1 foi interditada com um bom e velho papel informando “quebrada”.

A máquina 5 funcionou a pleno vapor. Passei um pano no chão, as pessoas foram se dispersando com murmúrios de boa sorte, boa sexta, que azar, boa noite. Fim de festa.

Ativei o celular, abri o Instagram, posicionei a taça de vinho no ângulo correto para pegar a TV, a série da vez e ainda deixar um espaço para a legenda.

Terminei o vinho, conferi as curtidas.

Mais uma taça.

Sextô de quarentena.

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