Suicídio Financeiro

F.
Ensaios sobre a loucura
2 min readAug 10, 2020

Tudo começou quando ouvi uma história na antiga firma onde trabalhava. Anos antes, uma contadora havia cometido suicídio. Ninguém sabia o motivo. Tomou os remédios, deitou na cama e dormiu pacificamente. Não deixou bilhete, nada. Na escrivaninha dela encontraram as contas do mês, todas pagas. Na hora do enterro, os familiares descobriram também que o lugar onde ela seria enterrada já havia sido escolhido e pago. Era como se ela tivesse planejado tudo aquilo pra que fosse minimamente doloroso. Do ponto de vista financeiro, ao menos.

A história não tinha nada demais, mas ficou na minha cabeça e hoje, dez anos depois, aquela contadora virou meu modelo de vida. Ou seria de morte? Tenho planejado meu suicídio a pelo menos dois anos, mas sem ir adiante porque não consigo ajustar minhas contas para isso. A pior parte é o final do ano, quando entra o décimo terceiro, parece que enfim vou conseguir. Tomo os remédios, deito na cama, as contas estão ali, empilhadas com esmero. E aí lembro que não paguei o veterinário do meu cachorro. No outro ano a culpa é do presente de natal da minha mãe.

Visitei um psiquiatra que me receitou vários remédios, quando perguntei a ele se isso me ajudaria, ele respondeu que sim…os remédios são tão caros que a chance de eu conseguir me suicidar comprando eles é zero. Resolvi por fim fazer uma vaquinha online, mas na mesma semana vários cachorrinhos foram abandonados e as pessoas preferiram doar para eles. Fiquei sem o dinheiro e ainda adotei um dos cachorrinhos, com o preço da ração, meu suicídio só sai em 2030.

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F.
Ensaios sobre a loucura

First you take a drink, then the drink takes a drink, then the drink takes you. — Fitzgerald.