Tendência ao drama

Mari Dertoni
Ensaios sobre a loucura
3 min readOct 25, 2019

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“ — Sinto que estamos indo bem. Sabe… eu gosto de você, não que eu queria nada sério no momento, mas se você quiser… eu quero.” E fez-se um silêncio sepulcral por alguns minutos… silêncio. A cara dele caiu no chão, de repente ficou sem face, sem olhos, boca e nariz e tudo mais. Assim a moça não podia ver sua agonia e sua vontade de morrer, de correr, de sumir. Nem a de mergulhar dentro dela de uma vez por todas. Sua face estava estatelada lá, derretendo no asfalto em meio a sua angústia de não saber o que esperar.

“— Eu não sei bem o que dizer, se daria certo agora. Você é legal, mas não estou procurando um relacionamento também. Realmente estamos nos dando bem, mas preciso ir, até logo.”

Então quando ela se despedia, sem graça com a situação, com a cara do rapaz mirando baixo em seus sapatos, sem saber o que pensar… Ele então abre seu coração, que começa imediatamente a sangrar. Espera que a moça de imediato abrisse a boca e começasse a sorver todo aquele sangue morno jorrando de seu peito. Que o absorvesse. Só que na verdade ele apenas escorre direto pro chão como um riacho desvairado. A moça ficou encarando o sangue em movimento, lento manchando a lama que já havia se tornado a face disforme do rapaz, agora misturada ao sangue no chão. Ela instintivamente abaixou-se e pegou a face derretida com as duas mãos e com cuidado recolocou-a em cima do pescoço do rapaz. Bom… a matéria foi aos poucos voltando a aderir e ele voltou a ter um rosto, um pouco disforme ainda, para que pudessem se falar. Ela ficou espantada, mas o abraçou bem forte. Nem se importou em ficar toda manchada de vermelho também. O peito do rapaz se acalmou um pouco, diminuindo o sangramento. Sua face já estava ficando normal.

“ — Olha, desculpe, isso é mais forte do que eu. Acho que sinto as coisas de forma intensa, que o meu corpo não aguenta, logo as pessoas se assustam e se afastam de mim. Meu corpo reage dessas maneiras estranhas assim. Mas eu juro que não foi por querer, que vergonha estou sentindo.”

A moça então largou o rapaz, olhou pro relógio, tinha uma reunião de trabalho que com certeza iria perder, pois ficou toda suja de sangue. Não deu tanta importância para as desculpas dele, mas se compadeceu com o absurdo que presenciou. Ela então disse: “ — Eu estava gostando muito de você, mas você parece ter uma forte tendencia ao drama… me assusta um pouco, realmente, é difícil se aproximar de alguém assim.” Ele sentiu um misto de esperança e desesperança imediata, em poucos segundos seus olhos já de volta ao lugar original, começaram a lacrimejar e ele logo chorou intensamente, pareciam duas torneiras abertas, chorava tanto que inundou todo o chão, fazendo todo o vermelho ir embora. A moça o abraçou novamente, compadecida, emocionada também e acabou ficando encharcada com as lágrimas do rapaz. Ele chorou por uns quarenta minutos em pé, os dois ainda abraçados. Até estarem completamente limpos e calmos. Eles se sentaram e conversaram, decidiram tentar algo no futuro, mas que continuassem se falando. A moça agradeceu por já poder ir a reunião, pois parecia que havia acabado de tomar um belo banho. “ — Até mais!”.

*Você pode dar vários Claps em cada texto. Eles são super importantes, não deixe de curtir, se curtir! :)

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Mari Dertoni
Ensaios sobre a loucura

Escreve coisas horripilantes, poesia, mini contos e aventuras fictícias