Torta de Limão ou O Conto de Natal
Hoje fiz uma torta, uma torta de limão com a massa como um biscoito docinho e, por cima, um creme bem azedo, não amargo, azedo. Torta, para mim, é uma comida de tristeza, uma tristeza com sabor de coisa doce. Não sei ao certo como ou quando começou, mas foi há tempos, acho que quando meu avô morreu e senti uma vontade imensa — uma urgência terrível — de fazer torta, uma torta de limão com suspiro por cima. Fui ao supermercado só para isso — eu, que odeio sair de casa nas vésperas de feriado— parecia que ia morrer se não fizesse a bendita da torta, ou talvez fosse a tristeza que ameaçava me matar antes e eu só não havia reparado; era uma tristeza profunda, inquieta, irregular que precisava de torta para se acalmar, uma torta azeda e doce, como a saudade de quem a gente ama e sabe que não vai mais encontrar.
Funeral do vovô havia sido lá pelo meio da manhã, na véspera de natal, no caminho de volta insisti pelo supermercado, parecia lógico — ou quase — a gente não era muito de natal e este ano em especial, com o vovô internado e a gente se revezando para ficar com ele no hospital e com a vovó em casa, ninguém havia pensado na ceia, nem em fazer compras, então era lógico passar na volta, mesmo que ninguém sentisse fome ou pensasse em comida (exceto eu, que tinha a cabeça dominada pela torta de limão). Mas os vivos precisam comer para continuar vivos, não importa quem se vá, quem leve uma parte de nós, continuamos até que seja nossa hora de dizer adeus — e assim paramos no supermercado , comprei o que precisava e fiz a torta.
Naquele ano eu me esforcei para comer o peru ao molho com toques de laranja que a tia que não gosta de mim preparou, logo eu que odeio peru — ainda mais agridoce, eca — mas comi e até disse que estava bom, embora já não sentisse gosto de nada exceto do azedo daquela tristeza (e talvez isso tenha sido bom, porque peru é muito ruim). A parte ruim é que também não senti o gosto de mais nada: nem do peru, nem do arroz, da farofa, da salada, do refrigerante e muito menos da torta. Que gosto deve ter uma torta? Me esforcei para ser agradável com a tia que não gosta de mim, ela sofria, sofria a maneira dela e vovô havia pedido enquanto segurava nossas mãos juntas, deitado no leito do hospital antes de ir para a UTI “não briguem” e eu dei um sorriso amarelo. Era nosso primeiro natal juntas: três gerações de mulheres loucas que se encontravam por causa da única coisa que tinham em comum além de sua loucura. Era nosso primeiro natal juntas — e último — cada uma sofria a sua maneira e a minha era vontade de fazer torta, torta de limão.
「ありがとうも」
Obrigada
「さようならも」
Adeus
「此処にいるんだよ」
Todos ainda estão aqui
「ごめんねも」
Desculpe-me
「会いたいよも」
Sinto tanto a sua falta
「残ったままだよ」
Permanecem da mesma forma「春夏秋冬 歌詞 ~ Sumika」 // [Haru Natsu Aki Fuyu (shunkashuutou) ~Sumika]