Um brinde a solidão

Julia Caramés
Ensaios sobre a loucura
3 min readDec 22, 2016
Automat (Edward Hooper, 1927)

Em 1936, uma família Ortodoxa russa protegendo-se e fugindo da perseguição religiosa, acaba por se instalar nos montes Sayan, na Sibéria. E o que tem de mais nessa história? A família, nomeada Lykov, viveu unida por volta de 40 anos isolada em mais de 250 quilômetros de qualquer civilização.

Atualmente a filha mais nova, com setenta anos de idade e última integrante da família é ainda habitante desse isolamento na floresta. Esse é o ponto inicial dessa trama. Agáfia, me lembrou o lado sombrio da solidão. Em seu físico maltratado pelo clima intrépido e em uma vida possuinte apenas dos condimentos básicos para sobreviver. Anos e anos de luta, sozinha.

Entretanto, não foi em seu sofrimento que eu encontrei interesse. A caçula Lykov também trás consigo o lado fascinante da solitude: a força e o auto-conhecimento.

Agáfia Lykov, 2015

Hoje eu tenho uma relação estável com o isolamento. Gosto e muito de ter o meu espaço afastado de qualquer pessoa, onde eu tenho liberdade o bastante pra fazer o que me der na telha. Não só gosto, preciso e me nutro desse tempo. A segurança, a distância de qualquer julgamento de outrem, o suspiro fundo de chegar em casa. Lar doce lar, meu lugar preferido é aqui.

No entanto, nem sempre foi assim e eu consigo entender porque ainda tem tanta gente procurando uma válvula de escape para fugir da solidão. Essa tolerância nem sempre é carência, mas, medo do que se pode encontrar aqui dentro.

Acredite amigo, eu tive esse medo, eu vivi esse medo. Me tremia dos pés a cabeça em frente a essa porta que permanecia fechada. E se eu abrisse e me atirasse num buraco negro? Quem é que iria segurar minha mão? Eu daria de cara com o Belzebu? Ou eu teria que me deparar com os meus próprios demônios? E se eles repartissem o que eu sou?

Sim. Dá um cagaço danado mesmo. Esse processo de se conhecer e se entender é duro. Só que mais fortificante que altas doses de Biotônico. E a solidão? Ela se transforma em solitude e te abraça. Firme! Ela trás o caminho e faz a gente compreender porque de vez em quando a cabeça fala, mas o corpo não responde e passamos a viver em paradoxo. Olhar pra dentro nesse isolamento é aceitar que não é o que o a vida pode fazer com você, e sim, o que você escolhe fazer com ela.

E que tá tudo certo se em algumas estradas a gente se perceber sozinho. A caminhada é tranquila. Tem um quê de poesia em não querer dividir certas coisas com ninguém além de si mesmo.

A solitude é perene. É um oceano dentro de si próprio com infinitas possibilidades, belezas e perigos que a gente só descobre se mergulhar bem fundo. E o que se entende e se define dentro desse limite interno. Eu levanto essa bandeira! Entendo quem não quer acreditar nela, mas faço dela minha rede de descanso em muitos momentos.

Esse é o ganho que eu também vi na decisão da Agáfia. A harmonia em estar só é um sentimento genuíno. A recompensa é certa quando a lagarta entra no casulo pra virar borboleta. Não acho que há necessidade de se isolar na taiga siberiana, mas frequentemente eu bem me escondo na minha floresta. E quando volto, fico mais serena pra receber o mundo lá fora e quem procura por mim. Brindo a isso também.

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Julia Caramés
Ensaios sobre a loucura

Se veio aqui procurar alguma coisa me dá a mão que eu tô procurando também