Uma crônica sobre nossos cursos d’água.

Faço de tuas linhas o meu horizonte.

Wellington M.
Ensaios sobre a loucura
2 min readMay 22, 2019

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Numa tarde de entre coisas e entre tempos, eu sento aqui meio torto e espero você caminhar de encontro aos meus dedos. Vejo você desabotoar sua camisa, despir-se. Te vejo nua em minha frente. Nua de tudo, de conteúdo e de corpo, virgem de adjetivos e substantivos. Tua pele é macia e lisa, é pura possibilidade, de uma tangência diluída aonde meu toque ressoa ao te tocar. Mas agora, eu já te violei.

De repente um bloco de parada. Me desculpe terceiro, eu quis indicar a separação de suas coxas, ou a posição de seus braços pendentes no ar. Quis definir as diferenças de suas mãos, ou a fluidez de seus glúteos e o além deles. Não falarei de ti terceiro, só dela, esta que traça o dedo em minhas formas, esta que contraí quando eu a acaricio, esta que vibra…

Há o expelir de ar, o vapor de sua boca que eu engulo. Aquele carinho de leve que tua respiração faz em minha barba, e há nossas salivas que se mesclam e tornam-se uma, e a partir de uma poça indireta e úmida, tornamo-nos a possibilidade do nós, sem eu nem ti. Uma forma de diluir, de unir-me em teu corpo e você se perder no meu. Ali narcisos incham e incham, até que se rompem em confetes e balas de cocos, daquelas que ninguém gosta e faz mal. Uma pinhata a ser violentada, pois nossa saliva é violência porque ela não é moral. Não é alteridade e não é outro, não há respeito. Eu te invado e tu me invade. Arrombamos um ao outro em busca de nós mesmos perdidos em cantos escuros e em quartos mofados. Me diz quem sou eu? Repetido duas vezes na escuridão.

O Narciso se refaz.

A simplificação de nossos próprios arranjos em uma nota contínua e aguda, uma nota de prazer intenso e de conflito. Uma faísca que não queima as coisas, mas que torna elas mais vivas. Um traço perdido no teu corpo aonde eu reproduzo o mundo num instante desfeito. Reduzo meu ser inteiro em um instante de prazer, no encontro erógeno de nossos toques.

Depois de toda a tempestade na qual me perco, há uma onda calma que apazígua as tensões. Vejo depois de tudo, que traí tudo o que te prometi no primeiro parágrafo, mesmo que subtendido.

Antes da última contestação eu já havia te posto linhas e te prendido em minhas colocações. A melhor forma que posso te dar é meu vislumbre e meu silêncio, nada mais.

Ao escrever eu te violento em meus limites. Desculpa crônica.

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