Você merece (e pode) muito mais

Andressa Faria de Almeida
Ensaios sobre a loucura
7 min readJun 26, 2016
The Perks of Being a WallFlower

Um texto para aqueles que teimam em se contentar com migalhas de afeto, quando deveriam receber uma padaria inteira de amor!

Na infância eu tinha muita dificuldade para fazer amigos. Mesmo. Eu já contei aqui alguns dos motivos pelos quais isso era tão complicado para mim, mas uma coisa que eu não disse naquela ocasião é que o jeito que eu tratava aqueles que me rodeavam colaborava muito para que no final das contas eu continuasse sozinha. Em suma eu tinha o hábito de me encantar e gastar energia demais com pessoas que não se importavam minimamente comigo e não faziam a menor questão de esconder isso de ninguém. Alguns queriam me usar para algum fim por um tempo determinado, mas parava por aí. Ninguém queria sentar comigo no recreio por eu ser uma menina muito legal de se ter por perto, pura e simplesmente. Ou tinham interesses escusos em seus gestos de carinho ou o desprezo a mim dedicado era absoluto e irrestrito.

Com uns doze anos de idade o jogo começou a virar para mim, queridinhos! Eu não saberia explicar tintim por tintim o que me fez sair da condição de total excluída para a de parte integrante do grupinho dos excluídos do colégio (não importa onde se está, se ao menos você pertencer a algum lugar, certo?), mas acredito que o que colaborou para que isso acontecesse foi eu começar a valorizar quem parecia se preocupar de fato comigo, ainda que eu não entendesse muito bem o que isso queria dizer naquela época. Evidentemente o que basta para eu me sentir querida por alguém é diferente do que vai bastar para você e ok, isso varia de pessoa para pessoa mesmo, mas o ponto é que eu comecei a determinar limites, passei a determinar critérios. Deixei de aceitar qualquer coisa que direcionavam a mim e, consequentemente, deixei de ser qualquer uma para os outros.

Lembro que quando estava na sétima série algum professor que certamente gostava de ver o circo pegar fogo passou para a minha turma um questionário, no qual deveríamos citar nossas preferências, temores, sonhos e falar quem considerávamos como o nosso melhor amigo. Em 2002 isso era um título e tanto, merecedor de colar com pingente partido e tudo (isso ainda está na moda?), então era um mérito do caralho ser apontado por alguém como seu best. Trouxa que era eu acabei dando o título de “melhor amiga” para uma menina que eu tinha acabado de conhecer, mas que erroneamente já considerava de montão. Quando ela me mostrou suas respostas ao mesmo questionário é claro que “Andressa” não estava no campo “melhor amiga”. Se estivesse era outra “Andressa”, mas vocês entenderam! Naquele dia a torta de climão foi servida quentinha, acompanhada de um sorvete que tinha o sabor da minha amargura. Felizmente eu rapidamente captei a mensagem e aos poucos fui me afastando daquela que eu já cogitava convidar para ser a madrinha dos meus futuros filhos (que eu nem sabia aos 12 anos se queria ter ou não, mas tudo bem).

Em Outubro do mesmo ano meu pai quase faleceu, após ser vitimado pelo segundo AVC isquêmico e mais uma série de paradas cardíacas. A possibilidade de ficar órfã tão cedo mexeu demais comigo, mas serviu também para que eu enfim aprendesse a separar o joio do trigo quando se tratava das minhas relações. Uma menina que eu já vinha conhecendo e que também era do mesmo colégio acabou se aproximando demais de mim a partir desse acontecimento, sendo incrivelmente empática e me dando apoio em um dos momentos que eu mais precisei. Eu já gostava dela, mas naquele momento soube que podia contar com a sua presença, com a sua força e isso fez toda a diferença para que eu conseguisse lidar com o trauma. Não éramos da mesma turma, mas estávamos lado a lado recreio após recreio, saída após saída e fim de semana após fim de semana, normalmente compartilhados em cinemas e livrarias. Quando chegávamos em ligávamos uma para a outra e ficávamos fofocando por horas a fio, estourando o limite de minutos dos nossos planos na finada Telemar, acabando com os créditos do celular e de quebra enlouquecendo nossos pais. Pela primeira vez em pouco mais de uma década de existência eu sentia que fazia diferença, que importava de verdade na vida de alguém que estivesse fora do meu círculo familiar e isso foi maravilhoso. No ano seguinte acabei saindo da escola, fomos trilhando na vida caminhos completamente distintos, temos volta e meia os nossos “arranca rabos” típicos, mas ela sabe que eu estou lá para o que der e vier, assim como eu tenho plena consciência de que a recíproca é profundamente sincera. É ela a minha best, por assim dizer, e isso me traz uma alegria e um orgulho enormes.

A mesma lógica se repetiu a medida que fui conhecendo cada individuozinho especial que hoje eu tenho a honra de chamar de amigo. Todas essas relações são únicas, muito distintas entre si e eu valorizo demais todas elas em suas peculiaridades, de verdade. Tem fases na qual eu estou mais ligada a uns, mais desconectada de outros, mas sempre que nos precisamos estamos presentes e nunca deixa de rolar o que eu pessoalmente considero primordial para definir se alguém me vê como uma amiga ou não: mesmo distantes, mesmo ocupados, mesmo sofridos com algum ou com vários problemas o que tá acontecendo na minha vida é relevante do lado de lá e eu compartilho desse mesmo sentimento. Não faz sentido para mim não procura-los constantemente, independentemente da forma que isso se dê e vice e versa. Não nos largamos. Não nos deixamos de lado. Não nos abandonamos.

Sério, se o sujeito leva a vida numa boa sem saber se você está vivo ou morto pode crer que a sua existência não significa tanto assim para ele nesse momento e tá na hora de lidar com os fatos de maneira adulta. Você pode sim ter significado muito para essa pessoa algum dia, vocês podem sim ter vivido uma linda história juntos, mas a fonte provavelmente secou. É algo que acontece e tem que ser encarado, especialmente quando o afeto não se equivale e os laços não se fortalecem. O contrário vale também, óbvio: não adianta postar mensagem no Facebook e em grupos de WhatsApp dizendo que amizade verdadeira é aquela que se mantém igual mesmo quando as partes não se falam ou se veem por séculos, porque isso é demagogia purinha, purinha! Ou vai me dizer que para o que te é caro você não arruma um tempinho, por menor que ele seja? Arranja uma horinha para ver Game of Thrones antes de ser atingido por uma avalanche de spoilers, stalkea por uns minutinhos o crush e até se encontra volta e meia com uma galera e não deixa de lançar os registros nas redes sociais, não é mesmo? Então vamos ser francos aqui uns com os outros e mandar a real, de uma vez por todas: Se você não tem disposição de mandar um “oi” que seja para esse ser humano ele não está no seu hall de prioridades, ponto final. Se ele ou ela não te busca quase nunca e quando isso acontece normalmente tem alguma razão oculta por trás aceite, você também não faz mais (ou nunca fez) parte de seu hall de prioridades. Para que ficar se enganando e enganando geral? E para que nos contentar com relações nas quais não somos priorizados e não priorizamos o próximo?

Não seja aquele que vive chamando fulano para sair e fulano sempre te deixa no mitológico “vamo marcá”, mas nunca marca nada, nem uma saída na esquina para um tomar picolé. Não seja aquela que comenta e curte todas as fotos da coleguinha dizendo que tá cheia de saudades, quando nunca é correspondida. Não fica mandando mensagem, se ele muitas vezes nem visualiza mesmo estando online, porra! Deixa esse encosto para lá e foca em quem quer trocar contigo hoje, em quem quer crescer ao seu lado agora, em quem te valoriza no presente. Para de se alimentar de tanta nostalgia, porque de passado só sobrevivem os museus! E né, mentiras sinceras só interessam ao Cazuza e àqueles que não conseguem ter nada melhor e vivem de pescar ilusões. Você pode mais, a partir do momento que entende que merece muito mais!

“We accept the love we think we deserve” é uma daquelas frases icônicas que tocam fundo a alma de qualquer um, porque é impossível refuta-la e não analisar a própria vida a partir do que ela tem para nos dizer. Se você está aceitando um amor (e sim, amizades são essencialmente sobre amor) que não te busca, que não te precisa e que é indiferente às suas necessidades é certo que acha que não merece ser amado de outra maneira. Por que isso está acontecendo contigo? Bem, é seu trabalho mergulhar em si mesmo, investigar, descobrir e a partir daí arrumar a casa direitinho, cômodo a cômodo, mas definitivamente não é uma boa solução para esse problema gastar ainda mais energia na construção de um castelo feito inteiramente de migalhas de afeto. O que temos de mais concreto na vida são justamente as relações que construímos, então se nem elas são realmente sólidas de que terá valido tudo isso?

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