A Paixão é um bagulho

Amor, Paixão e suas diferenças

Eduardo T’Ògún
Entre Aspas
4 min readMar 3, 2017

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Ok, vamos conversar agora? Então senta aí que eu vou tocar num assunto de forma muito adulta.

Quero deixar claro, muito claro, que sou totalmente à favor da paixão, e acho que todos deveriam experimentar esse poder narcótico, como eu experimentei muitas vezes. Mas também fico contentíssimo porque, dessa vez, não é comigo.

Vamos falar sobre o aspecto mais perigoso do desejo humano. A paixão que leva ao pensamento invasivo, aquele famoso estado distraído em que a gente não consegue se concentrar em nada, só no objeto da possessão. A paixão altera a química do cérebro, como se a gente se drogasse. Não faz muito tempo, cientistas descobriram que a reação do cérebro ao apaixonar-se é quase a mesma que as tomografias de cérebros de viciados em cocaína. E como todos os viciados, perdem a saúde, humilham-se e até se arriscam fisicamente para obter o seu narcótico.

O problema da paixão é ser uma miragem, uma ilusão de ótica. Na verdade, não estamos olhando aquela pessoa; só ficamos cativados pelo nosso próprio reflexo, inebriados pelo sonho de completude que projetamos em alguém. Claro, a Vênus de um é a loira burra de outro, e há quem ache o nosso Adônis pessoal um chato de galocha. O caso baseado em paixão é uma zona de insanidade, onde as falsas concepções não têm limite e onde a visão realista não tem apoio.

Goethe disse que “quando duas pessoas ficam realmente felizes uma com a outra, em geral podemos supor que estão enganadas”.

O amor real, são, maduro, do tipo que paga o aluguel e fica ao seu lado quando está doente, não se baseia em paixão, mas em afeto e respeito. E a palavra respeito (do latim respicere — “fritar”), sugere que podemos ver realmente a pessoa como ela é. Quantas vezes você fez algo movido pela paixão e, passado um tempo, relembrou aquilo e se perguntou: “O que eu estava pensando?” E a resposta é: “Você não estava pensando”.

Tem uma coisa que sei com certeza sobre mim, agora que cheguei na casa dos 40 anos. Não consigo mais aguentar a paixão. Ela me mata. No final é como se me jogasse numa máquina de picar. Embora saiba que existem casais que estão há anos juntos e que seu relacionamento começou no fogo da paixão, ainda não aprendí esse truque. Para mim, a paixão só fez uma única coisa, sempre: destruir e, em geral, bem depressa.

Quando estiver com alguém, que seja gentil, leal e atento, e avançe devagar. Não seja adolescente.

Temos que aceitar o outro como ele é e não vou sobrecarregar ninguém com a responsabilidade de me completar. Já enfrentei minhas incompletudes em quantidade suficiente para admitir que são só minhas. Ao aprender essa verdade essencial, consigo ver onde é que eu acabo e onde é que começa o outro. Levei quase quatro décadas para aprender isso, para aprender as limitações da intimidade humana saudável. Agora eu sei que eu tenho os meus sofrimentos, não os dele; ele tem os dele, não os meus.

Para ilustrar, amor e sentimentos maduros são mais ou menos assim:

Quem negocia pedras preciosas, compra em pacotes, porque acaba saindo mais barato. Um pacote típico tem, mais ou menos, 30 pedras preciosas do mesmo tipo. É preciso tomar cuidado, pois quem está vendendo este pacote quer sempre passar a perna em quem quer comprar. Está tentando se livrar das pedras ruins misturando-as com algumas que são mesmo boas. Quem é principiante, se dá mal, porque se empolga demais com uma ou duas pedras boas e não dá atenção ao lixo que vem misturado. Depois de se enganar várias vezes, fica-se esperto e aprende: Ignore as pedras perfeitas. Coloque-as de lado e olhe com atenção as piores. Examine-as por um bom tempo, depois se pergunte: “Dá pra trabalhar com essas? Dá pra ganhar alguma coisa com elas?” Assim, avaliará de fato o pacote e não terá surpresas.

Nos relacionamentos é assim. Todos se apaixonam pelos aspectos perfeitos da personalidade do outro. Mas isso não é ser esperto. Ser esperto é o seguinte: Dá pra aceitar os defeitos do outro? Dá pra olhar francamente os defeitos do parceiro e dizer : “Isso dá pra contornar? Dá pra ganhar alguma coisa?” Porque o que é bom está sempre ali e sempre será bonito e brilhante. Mas lembre-se: você adquiriu um pacote.

Você está disposto?
E quem disse que ser adulto é fácil?

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Eduardo T’Ògún
Entre Aspas

Iniciado no Candomblé há mais de 30 anos, estudioso do Culto Egungun, geminiano, inquieto e estabanado.