Manifesto aberto (post mortem)

Caio Fernando Abreu quer ter um papo contigo

Eduardo T’Ògún
Entre Aspas
3 min readMar 3, 2017

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Venho sentindo uma certa perturbação, um desconforto aqui no além. Muitas pessoas chamando meu nome, invocando meus escritos, inventando o que não disse…Acho que algumas coisas devem ser esclarecidas e hoje é dia de desabafo.

Escreví muitas coisas, frases, textos, poemas inteiros falando do amor e do desamor.
Ok, escreví muito mais sobre desamor e decepção, isso é notório para qualquer um e não é necessário ser expert em literatura ou conhecer as regras que constituem um poema para sacar isso.
Sabe, quando eu estava aí na terra, passei por maus bocados. Podia ser considerado o azarado sentimental e escrever me ajudava (como ajuda muitos que utilizam desse método) e usava essas decepções como minha fonte inspiradora, pois assim fazendo eu conseguia eliminar minha dor, passar para uma outra fase, esquecer aquilo tudo e continuar. Muitos escritores, quase todos, usam isso e é válido em doses certas.

Mas eu não sei porque raios isso se alastra mais que as coisas boas que deixei. Aqui onde estou a perturbação é constante quando lembram apenas as coisas tristes que escreví. Por isso, não tomem como leis as frases que escreví dizendo que a vida é sofrimento, que o amor é um estado ilusório e quem se apaixona sempre se fode. Não é nada disso! Pelo amor de Deus, o que seria de nós se não fosse esse amor? Vocês andam tomando suco de almeirão?

O amor é o it, o amor é a força que tudo move e faz circular. Tudo bem, nem sempre dá certo, mas é assim com todas as coisas aí na terra e, às vezes, fazemos por merecer, pois também cometemos muitos erros. Não há como amar sem sofrer, pois o sofrimento é a chama violeta da transformação que a tudo sublima e faz crescer.
O que não rola é deixar nas paradas de sucesso essa musiquinha dor de cotovelo como se fosse a chave que abrisse as portas para todos os nossos questionamentos. Algumas até que vêm a calhar, mas perae! Vai continuar espalhando isso como se fosse a única verdade sobre o amor só porque eu disse? Não, não, não, pode parar. O que há? Tá triste e magoado só porque o amor ainda não aconteceu pra você? Se não deu certo, isso é culpa só dos outros?

Não há erro em chorar sua decepção, mas será que dá pra compartilhar as coisas boas que eu deixei ao invés de ficar remoendo as feridas?

Hoje eu vejo que fui o culpado de muitas coisas, inclusive pelas minhas próprias ilusões. Conversei ontem com Clarice Lispector e sabe o que ela fez? Teve um ataque de risos e comentou: “Eu disse pra você ter classe como eu, senão iria dar merda!” Pois é, chega me dar uma coceira quanto vejo tanta uruca se propagar feito uma virose que infecta silenciosamente o subconsciente. E por falar em subconsciente, você sabia que acreditar nessas coisas afasta a positividade?

Seguinte: acredite no amor. Creia na paixão. Arriscar e se dar mal faz parte de qualquer área da vida, eu não tenho que desenhar isso pra você pois sou escritor e não pintor. E, só pra variar, acredite em algo diferente e não use meus textos como muleta.

E pára de reclamar através de mim. Eu disse isso em momentos ruins, e isso é meu. Eram os meus sentimentos em momentos particulares. Me reviro no túmulo a cada “amor = decepção” que você compartilha.

Fale de amor, fale de paixão. Fale das sensações maravilhosas que nos causam. Do contrário, ficará velho, sozinho, frequentando o baile da saudade e usando colônia barata de free shop. Quem vai se aproximar de você, se é nesse caralho que acredita?

Mentalize a paz e saiba que meus textos foram apenas momentos que não são necessariamente verdades.

E com licença, Clarice me espera para tomar um café.

Nota: Este texto é apenas uma ficção. Nenhum espírito encostou em mim para escrevê-lo. Ou será que encostou?

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Eduardo T’Ògún
Entre Aspas

Iniciado no Candomblé há mais de 30 anos, estudioso do Culto Egungun, geminiano, inquieto e estabanado.