Quando a Solidão fuma

É o tempo de um cafezinho, um cigarro e ela vai embora

Eduardo T’Ògún
Entre Aspas
2 min readMar 3, 2017

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No começo era foda, sempre tinha um medo danado dela. Quando chegava, fazia de tudo para que ela não tomasse conta: cantava, dançava, saía pra passear, procurava alguém pra conversar…
Todo mundo dizia que ela era terrível, implacável, doída. Depois de um tempo, de tanto falarem, ela transformou-se no meu mais terrível medo, só perdendo para a morte.

Aí, percebí que não adiantava correr. Eu podia fazer qualquer coisa que seria apenas um placebo, pois não demorava muito e ela voltava.
Fui percebendo que não era algo que vinha de fora. Ela estava em mim e alimentava-se toda vez que eu sentia medo ou tristeza. Eureka!

Ahhh! Então é assim que a senhora sobrevive? Como o medo e a tristeza são inerentes ao ser humano, não adianta fazer nada? Tudo bem. Podemos entrar num acordo? Deixo a senhora ficar, mas temos que colocar ordem nesse barraco.

Depois disso, não tive mais medo da solidão. E quando esse medo acabou, ela ficou sob controle.
Quando ela chega, cumprimento-a educadamente e a convido para sentar e conversar. Depois que me conta tudo o que queria, ela fica vazia. É o tempo de um cafezinho, um cigarro e ela vai embora.

Sentir solidão é normal e a partir do momento que você a encara como tal, aprende a ter uma convivência saudável consigo mesmo. As feridas não cicatrizadas e as dores que ela relembra podem até não sarar, mas quando você tem consciência da normalidade da coisa, aprende a conviver com essas dores em paz.

Muitas vezes, a solidão quer dizer uma única coisa: Você não suporta olhar-se no espelho, tem sempre que arrumar uma moleta que te sustente. Quando sente-se incomodado por ficar só, isso é um recado que há algo errado com você, com seu interior, com sua consciência. Pode significar que você não se aceita, não se suporta e tem que sair por aí, pegar o primeiro desavisado que aparecer, jogar nele todo o seu fel ou sua carência. Quando o outro percebe isso, acabou.

A solidão não é bicho de sete cabeças, principalmente para quem está em paz. Na paz verdadeira. Sem precisar de moleta ou placebo e poder olhar-se no espelho e se ver…completo e verdadeiro.

Aceite-a, se é isso o que tem que ser. Mas não a deixe usá-lo. Use-a para desenvolver a paz que os outros teimam em tirar.
E, se assim fizer, a solidão passa, demora mais para voltar e, quando volta, faz menos estragos.

Foi a solidão que me disse…

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Eduardo T’Ògún
Entre Aspas

Iniciado no Candomblé há mais de 30 anos, estudioso do Culto Egungun, geminiano, inquieto e estabanado.