FORA DO “PAGANUS” E DENTRO DO OCULTISMO — A PROBLEMÁTICA DA PALAVRA “PAGANISMO”

Karagan Griffith
Entre Cornos
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5 min readMar 16, 2018
Hulton Archive/Getty Images

O meu percurso, como o de muitos, começou em práticas religiosas baseadas em cultos pré-cristãos, mais comummente chamados hoje em dia de neo-paganismo. Comecei o meu percurso pela bruxaria ecléctica e passei por práticas de druidismo e de uma wicca próxima da descrita pelos livros do casal Farrar e Doreen Valiente. O meu percurso incidiu em práticas do chamado neo-paganismo europeu. Mais tarde fui iniciado numa das Tradições da Wicca Tradicional — a Tradição Alexandrina. Esta é a única pratico até hoje. Tendo sido treinado na mesma, sendo o Sumo Sacerdote de um Coven Alexandrino em Boston e embora reconheça que todas as experiências são validas, hoje não me considero pagão nem o que faço paganismo. Não tenho nada contra o paganismo ou os pagãos, apenas não acho que a palavra me define ou define aquilo que pratico. Outras nomenclaturas foram criadas e novos significados foram descobertos. Utilizar uma palavra para determinar ou identificar uma prática religiosa, é por vezes difícil, pois pode ser mal interpretada, dependendo da história que esta palavra carrega em si e da forma como é vista no passado e no presente.

Paganismo é uma palavra que inevitavelmente carrega uma história. Foi usada por cristãos pela primeira vez no inicio da era à qual chamamos de comum, para designar parte da populaça politeísta romana por estes não serem considerados “Soldados de Cristo.” Assim, este termo foi, desde o inicio, usado de forma pejorativa, pressupondo inferioridade por estes adoradores serem politeístas. Mais do que isso, a palavra paganismo literalmente designava a “religião dos camponeses” mas não de forma simpática ou favorável. Este termo era usado sempre de forma derrogatória expressando desrespeito e crítica as práticas dos “gentis.” A palavra é também usada para descrever alguns dos sectores do cristianismo “menos cristãos” pelos próprios cristãos. Para além disto, na Idade Média, o termo foi usado da mesma forma e sempre definindo de forma geral todas as religiões ou práticas religiosas que não fossem de origem abraâmica como um culto falso, inconveniente e herege.

Mais tarde, o termo veio a ser utilizado para denominar movimentos artísticos no século XX e para além disso, movimentos religiosos já mais contemporâneos, também denominados de forma colectiva de “neo-paganismo” (revivalismo pagão) o qual ainda retém resquícios do significado original. A palavra paganismo ainda tende a manter o carácter generalista original e não define muito a não ser os que praticam de uma forma ou de outra uma versão de uma religião ligada a natureza. Hoje em dia, continua-se a usar esta palavra que define, na sua história mais recente, tudo o que não é cristão, pelos próprios cristãos, que a usam para definir uma ideia deturpada e completamente corrupta daquilo que as práticas são na verdade.(Witchcraft, Magic and Culture 1736–1951, Davis, Manchester UP, 1999)

Estou ciente do trabalho desenvolvido no campo dos estudos pagãos pelos mais diversos autores que contribuíram de forma exemplar para a consciencialização e estudo dos movimentos religiosos baseados em práticas pré-cristãs como Margot Adler, Marcello Truzzi, Tanya Luhrmann ou Ronald Hutton. Mas continuo a achar que a palavra paganismo não me serve.

A Wicca Tradicional tem a sua origem no final da primeira metade do século XIX e esta incorpora bastantes elementos do então ocultismo romantico característico da época, distinto do revivalismo folclórico do paganus visto por exemplo no reconstrucionismo de práticas pré-cristãs, em movimentos religiosos como por exemplo o hellenismos ( Hellenic ethnic religion) ou o trabalho da A.D.F.( Ár nDraíocht Féin.) Para além disto, muito do que constitui o treino na nossa linha, advém de influencias de vários movimentos do ocultismo e conhecimento esotérico do século XIX, principio do século XX e portanto longe de ser apenas um reconstrucionismo simples de práticas religiosas antigas. Embora se considere que o que fazemos é de facto bruxaria (witchcraft), dentro da Wicca Tradicional, vai muito mais além da simples prática da mesma. O treino do iniciado baseia-se em princípios, práticas e leis ocultos que estão para além das práticas consideradas pagãs ou neo-pagãs.

A palavra paganismo em si, encerra uma faltar de significado específico e falha em definir as práticas individuais em si, abrindo a oportunidade a uma inclusão indiscriminada. É um termo que historicamente, para além de derrogatório, não faz jus a nenhuma das denominações especificas que pretende incluir, sejam estes caminhos religiosos ou prática oculta. Gosto da definição de ocultista pois talvez defina um pouco melhor a forma como nós vemos o nosso trabalho. A nossa prática tem várias nuances que, quase sem excepção, não se veem descritas ou praticadas num paganismo moderno.

O uso desta palavra hoje não trás verdade à definição dos princípios da nossa prática e pessoalmente, não me apraz ser associado ou definido por uma palavra derrogatória para definir aquilo que faço e aquilo em que acredito. Tenho, como é claro, o direito de adoptar as palavras que melhor definem aquilo que faço e a forma como o faço. Entendo que outros dentro da mesma tradição possam chamar aquilo que fazem de paganismo, mas eu escolho não o fazer. Prefiro definir as minhas práticas como actos ritualísticos baseados em princípios de conhecimento esotérico e oculto, incluindo princípios e práticas herméticas dos século XX, e celebrações inspiradas em rituais sazonais pré-cristãos, onde se cultuam dois princípios fundamentais, complementares e criadores do Universo. Este é, claro, um ponto de vista estritamente pessoal, mas é aquele que eu tenho e acho que melhor define aquilo que sou e aquilo que faço dentro do meu Coven.

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Karagan Griffith
Entre Cornos

Alexandrian Priest and Witch, blogger, publisher, film director and author. Host of “On the Blackchair” and “Hidden Light”