O QUARTO GRAU SECRETO DOS GARDNERIANOS

Karagan Griffith
Entre Cornos
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10 min readJul 18, 2023

Uma Carta de Samhain: Na véspera de São João, escrevi um artigo intitulado “The Great Divide in Witchcraft Today”, que demonstrou, no meio a uma série de preocupações eclesiásticas1, a realidade genuína de que o culto moderno de Bruxaria Gardneriana foi comandado (na verdade, roubado seria o termo justo) por uma cabala interconectada e altamente coordenada sob o bordão de ‘Família’.

1 -É o prazer deste escritor corromper o termo, com alguns outros acessórios semelhantes nos seguintes parágrafos: costuma-se dizer que as melhores bruxas roubam tudo o que funciona, e deitam fora o que não funciona.

Ulpiano Checa y Sanz — Le Temps

“Neste período liminar, tudo retorna ao ‘caos antigo’ do estado pré-criacional e permanece ‘entre tempos’. Assim, na véspera de Todos os Santos tudo se vira de cabeça para baixo e misticamente invertido, as barreiras entre o mundo dos mortos e a vida dissolve-se e a primitiva Cavalgada Antiga (Wild Hunt) ou Faery Rade cavalga pela noite. ” — Nigel Aldcroft Jackson, Call of the Horned Piper, 1994

Sacerdócio rotulado como Personæ Non Grata

Alguns chamam-me de ‘persona non grata’ durante as suas conversas privadas: é uma frase moderna, atribuída a alguns dos melhores da Arte… Passei a chamá-la medalha de honra.

“O caminho do feiticeiro contorce-se no exílio perpétuo entre os vivos e os mortos, de modo que onde quer que o viajante coloque o pé, é aí que o poder habita.” — Daniel A. Schulke, Way and Waymark: Considerations of Exilic Wisdom in the Old Craft, 2006

Esta frase, tão vertiginosamente amontoada sobre aqueles que se desviam da ‘marcha’ com o dito ‘Conselho de Anciãos’, sem nome, mas muito real, equivale a um relato moderno que inadvertidamente revela a realidade de uma rede de abusos espirituais que se estende desde o sul da Irlanda até o centro-oeste e costa leste dos Estados Unidos.

“Nada fortalece a autoridade tanto quanto o silêncio. ” — Leonardo da Vinci

Naturalmente, levanta-se a questão; como será que uma tradição de feitiçaria iniciática originária da Grã-Bretanha poderia responder a um esquema destes; e, de fato, tal enigma poderia revelar-se um mistério quase tão grande quanto aqueles sobre os quais a Wica tem uma reivindicação genuína.

“Desperte, levante-se ou caia para sempre.” John Milton, Paradise Lost, 1667

A afirmação de que existe um “culto dentro de um culto” moderno que seria facilmente reprovado no muito conhecido Quadro de Avaliação de Perigo de Culto Bonewits permanece… isso por si só é prova do fato de que o destino adora a ironia.

“Deixe o Aspirante viver a vida de um ser forte e belo, orgulhoso e exaltado, desdenhoso e feroz para com tudo o que é básico e vil.” — Aleister Crowley, Liber HAD

Documentos de linhagem como abuso de autoridade mágica

Fui encorajado pelos anciãos da bruxaria a elaborar mais sobre alguns dos abusos sofridos nas mãos da estrutura de poder supostamente “inexistente” na bruxaria hoje.

Parecia mais importante, porém, destacar uma questão muito mais significativa: a realidade de que, por exemplo a papelada comprovativa de linhagem é rotineiramente retida das Sumo Sacerdotisas durante meses, anos ou mesmo permanentemente após a sua legítima obtenção de uma elevação de terceiro grau Gardneriana.

“Eu penso que devemos dizer adeus à Bruxa. O culto está condenado, receio, em parte devido às tradições modernas… ” — Gerald B. Gardner, Witchcraft Today, 1954

Esta tática é um fenómeno distintamente americano: totalizando um SECRETO QUARTO GRAU administrativo dos Gardnerianos de Long Island [ex-Nova York], que — assim como Abe Lincoln — só poderia terminar a ser morto num teatro público.

“Esses nossos atores, como eu previ, eram todos espíritos…” — Próspero, da Tempestade de Shakespeare

O Rebis da Crença + Prática

“Nos círculos fechados de alguns covens há mais fanatismo e dogma do que há em muitos sectores da moribunda igreja cristã. ” Roy Bowers, The Craft Today, Revista Pentagram no. 2 de novembro de 1964 [este artigo, embora não seja este snippet, também aparece truncado forma em ‘Witchcraft, The Sixth Sense’ por Justine Glass, 1965]

No meu artigo anterior, escrevi que “o Trabalho da Arte… é realizado em três graus de Iniciação e Elevação”. Esqueci de mencionar as nossas celebrações sazonais [sabás] e êxtases lunares [esbats]. Resta o debate persistente, entre os fiéis da feitiçaria nos diferentes sectores, sobre se o que fazemos constitui ou não uma chamada Antiga Religião, ou apenas uma ortopraxia de desempenhos ritualísticos. Considerando que Gerald Gardner e Doreen Valiente (e outros entre a chamada ‘velha Guarda’) pareciam inflexíveis quanto a opinião de que nós, bruxas e bruxos, subscrevemos a uma religião real, a ideia de que o que fazemos é simplesmente uma rotina prescrita insinua-se por meio das obras escritas do membro original, Lois Bourne, do Bricket Wood, e claro — também está fortemente implícito nos escritos mágicos de Roy Bowers (Robert Cochrane).

Aqui, há um jogo linguístico que deve ser apontado para os menos informados, que talvez culmina na produção literária do karcista byroniano Andrew D. Chumbley, acabando por contornar a questão do que define a Fé das Bruxas ao atribuir várias tradições antigas da Arte, como um subconjunto de observâncias — tal ‘nuance’ é extremamente importante e fala em direção ao que alguns adeptos continentais chamam de “a graça de Deus.” Em linguagem simples, é uma compreensão que as minhas palavras visam transmitir ou referir.

Scire e a Estrita Observância

“A manifestação pública da Fé Antiga não apareceu de maneira uniforme, mas exibiu uma estimulante variedade de formas. Pode-se referir a estas várias formas ou correntes da Tradição como “observâncias” ou recensões do Antigo Rito; cada um diferindo segundo o Mestre ou Senhora responsável pela distribuição do seu conhecimento. ” — Andrew D. Chumbley, What is Traditional Craft ?, originalmente de Michael Howard’s ‘The Cauldron’ (№81, Lammas 1996), mais tarde — Opuscula Magica Volume I — Essays: Witchcraft and the Sabbatic Tradition, 2010

Como persona non grata, esta frase — observância — é uma sugestão de linguagem crepuscular inadvertida, embora não intencional, do trágico Essex Magister, que fala ao cerne da questão relativa a este artigo. Essa palavra, como as práticas que abrigaram a prática da Arte moderna, revelam um segredo silencioso que pode muito bem ligar a feitiçaria moderna [pelo menos na fé] à chamada Estrita Observância do Barão von Hund; o CBCS — L’Ordre de Chevalier Bienfaisant de la Cité Saint, ou, como o pai fundador de Wica (ele mesmo um Iniciado Perfeito ou P ∴ I ∴ da Ordo Templi Orientis, ou, anglicizado, Ordem do Templo do Oriente) preferiu resumir: os Cavaleiros Templários.

C. Yarnall Abbott — The Darker Drink (1908)

“Agora, este castelo secreto foi dito estar numa terra distante e pertencer aos Templários. Para acessá-lo era necessário passar por testes ou fazer certas perguntas, conhecer certos segredos e palavras secretas (senhas); em outras palavras, “iniciação” numa sociedade mais ou menos secreta cujos segredos eram um talismã mágico, que tinha cinco formas, ou cinco coisas que diferiam, mas iguais; um segredo de prosperidade e fertilidade, e um segredo de ressurreição ou regeneração conectado com uma lança que gotejava sangue num copo ou caldeirão. ” — Gerald B. Gardner, Witchcraft Today, 1954

Em conclusão: de forma mais mundana, outros castelos [físicos] são encontrados espalhados pela Europa continental e, na prática legítima, sediaram os graus Martinistas de Martinez de Pasqually e Louis-Claude de Saint-Martin, ligados também aos ritos do Élus Coëns que os precedeu — culminando no terceiro grau conhecido como Supérieur Inconnu (Superior Desconhecido), ou S ∴ I ∴ — mais claramente, Chefes Secretos.

Após este terceiro grau; em termos leigos, há um quarto e último grau do Martinismo que oferece o status de “iniciador livre”, incluindo a autoridade para estabelecer os seus próprios grupos de prática.

Qual é o objetivo disto tudo? Afirmamos assim que em alguma altura, antes ou depois do salto para o Novo Mundo, certas ressalvas como esta, foram anexadas ao ramo americano da Observância Gardneriana. Algumas dessas disposições não são tradicionais, éticas e quase inéditas para os nossos equivalentes britânicos (e em alguns casos, até mesmo globais).

Muitas dessas revisões da nossa própria Observância, por mais bem-intencionadas que sejam, são abusadas contra o espírito da própria feitiçaria moderna, e também contra os seus mais elevados Iniciados.

Portcullis sobre o lugar

“Porque Rosemary [Buckland] é a Rainha Bruxa (Witch Queen) da América do Norte … ” National Enquirer, ‘New York Housewife by Day … À noite, ela é a rainha das bruxas, por volta dos anos 1960

Como afirmado acima, o mais notório destes era o hábito de emitir credenciais em papel; ou documentos que provam a linhagem até uma das Sumo Sacerdotisas originais de Gerald Gardner, através de uma espécie de ‘sucessão apostólica’ (muito parecida com a encontrada no Martinismo) — nós, bruxas e bruxos, temos o péssimo hábito de chamá-los ‘pedigrees’2 — para servir como garantia de legitimidade para aquelas Sumo Sacerdotisas que alcançaram o posto mais alto no culto. São estes papeis serem considerados um certificado da autoridade final das sacerdotisas no nosso mundo: para governar o seu coven, como é do seu direito (e ousaria até dizer, como é a sua responsabilidade).

2-Foi-me pedido incluir aqui que referir-se a estes papeis como “pedigree” é ‘desrespeitoso e rude’, a Rede dos meus irmãos e irmãs ficou eternamente grata.

“Mais tarde, quando o bastão foi passado a Theos e Phoenix, houve MUITAS mudanças feitas por eles (para minha tristeza, muitas delas foram erroneamente atribuídas a mim), portanto, essas mudanças incomodaram-me bastante por causa disso.” — Raymond Buckland / Terence P Ward, uma entrevista com Raymond Buckland, American Wicca Pioneer, WildHunt.org, 2016

Apenas travessura, nenhuma gostosura

Essas preocupações não são meramente hipotéticas.

Hoje, eu sei de nada menos nada mais do que três Sumo Sacerdotisas de convicção Gardneriana que foram negadas os documentos de linhagem acima mencionados. Por não receberem estes documentos, elas próprias não podem transmitir honestamente linhagem em papéis semelhantes aos seus próprios Iniciados, e neste caso existem, de fato, alguns exemplos que podem falar com conhecimento de causa.

Há um precedente histórico que está além do foco [e talvez nem seja este o espaço para falar sobre] deste artigo — que deveria dizer respeito aos afetados, ou seja, aos Iniciados, mais adiante na sucessão de linhagem, no que diz respeito à legitimidade das suas próprias Iniciações e Elevações.

“No Círculo da Arte da Bruxa, esse estado de exílio é perpétuo. Nem afetado, nem planeado como uma rebelião da moda, é em vez disso, o paradoxo embutido daqueles que ‘Caminhando na Noite’ e ainda devem ‘Caminhar no Dia’ em completo anonimato no mundo do profano. ” Daniel A. Schulke, Cainite Gnosis and the Sabbatic Tradition, 2012

Num dos casos, a Rainha Bruxa (Witch Queen) faleceu há um ano, retendo credenciais escritas até o fim por despeito, mesmo quando outros Iniciados defenderam que estas fossem emitidas.

Noutra situação, os papéis foram retidos com base num conflito sobre lealdade e enquanto esta poderia ser observada em detrimento da autonomia inerente à observância Gardneriana.

No terceiro caso, a Alta Sacerdotisa do coven original decidiu unilateralmente que a autoridade de decidir sobre a escolha do Sumo Sacerdote do coven da sua Donzela, estava dentro da sua competência, e optou por reter os papéis até ao ponto em que o seu ego estivesse suficientemente gratificado.

Falando francamente e sem arrependimento: no claustro estanque que é o nosso mundo, neste momento presente; estes problemas são bem conhecidos, mas ignorados pelo coletivo mais amplo, por um respeito cego por aqueles que perpetuam abusos mágicos e espirituais.

Embora admitidamente especulativo, tenho quase certeza de que há mais exemplos desta prática do que eu mesmo possa imaginar; e parte da minha motivação para escrever é elucidar sobre este jogo desprezível. Certamente, existem anciãos honestos na Arte que consideram essa prática repugnante; mas o que isso faz por aquelas mulheres roubadas do que lhes pertence por direito no ‘fim do desejo?’

A comunidade parece estar num impasse quanto ao facto se a prática dos certificados da linhagem deve continuar ou não — é claro, eles mentem abertamente e dizem não haver um ‘Grande Conselho’, mas quem administra as listas de convidados, coleta as taxas de registo da Reunião, imprime as t-shirts e decide quem é “válido?” Quem faz cumprir o sistema de “comprovação” quase omnipresente e como são estes comprovativos verificados? Como o Mágico de Oz uma vez disse: ‘não preste atenção ao homem por detrás da cortina!’

A única esperança é uma oportunidade real para o crescimento espiritual e até mesmo para curar feridas e distanciamentos históricos relativas à validade, linhagem e além. Será que as bruxas continuarão a queimar outras bruxas na fogueira, enquanto ignoram a hipocrisia de tudo isso?

“Deite rosas no abismo e diga: aqui está o meu agradecimento ao monstro que não conseguiu engolir-me vivo.” — Friedrich Nietzsche, Obras Póstumas, 1882

Reflexões sobre Proteus e Jung

Judy Harrow, uma querida bruxa Anciã que tive o privilégio de conhecer nos seus últimos anos, é outra Alta Sacerdotisa que teve a infelicidade de desagradar o ‘Conselho’ numa das suas formas anteriores, quando esta definiu a praga dadoença da Alta Sacerdotisa desta forma:

“Uma aflição patológica em que os líderes do coven caem na ilusão de que são mais do que os outros e podem mediar entre estes e os próprios Deuses”. — Judy Harrow, Wicca Covens: How to Start and Organize Your Own, 1999

Já em 1976, o notável progressista Leo Martello lamentou uma doença cultural semelhante quando este escreveu:

“A síndrome da Alta Sacerdotisa ’está bem de saúde: em covens onde a autoridade final é dela, ela desenvolve um autoritarismo, erroneamente confundindo isso com conduta real, e o resultado é ressentimento crónico e eventual dissolução do coven. A maioria delas desempenha um papel. Elas não são artesãs, mas culturistas, e isso aplica-se independentemente do tipo de iniciação que elas obtiveram.” — Leo Louis Martello, Editorial Convidado: Meu Caldeirão do Desprezo — Notícias da Religião da Terra (Volume 3 — edições 1, 2 e 3), 1976

Carl Jung ficou famoso por meditar na seguinte frase: “que mito estou eu a viver?”, uma pergunta que toda Bruxa ou Bruxo deveria fazer a si próprio. Além disso, deve ser dada atenção especial aqueles que maltratam os seus próprios Iniciados, e estes poderem ter passado anos para realizar todo o trabalho que desenvolveram, apenas para serem desfalcados e privados do que é do seu direito. É responsabilidade moral da nossa comunidade (Conselho oculto ou não!) unir-se e parar esse esquema, corrigi-lo onde for possível e, ou condenar este “Quarto Grau Gardneriano” pelo prejuízo que causa nos nossos pares.

Assim termina o nosso rito sombrio de necromancia literária, oferecido à consideração do leitor, num dos nossos mais sagrados dias, onde o véu é mais fino. É claro que nós (como vivos que estamos) devemos mudar enquanto somos capazes. Que a roda sempre gire; e como o notório Magister Charles Cardell uma vez provocou em sete palavras, após ser amaldiçoado pela ‘realeza’ Gardneriana da sua época: “Abençoados sejam aqueles que adoram a Deusa.”

“Adeus deste mundo, mas não do Círculo. Esse lugar que fica entre os mundos Deve reter o retorno no tempo devido. Nada está perdido” Rex Nemorensis: Elegia para uma bruxa morta (Doreen Valiente elogiando Roy Bowers)

Bercilak HONI SOIT QUI MAL Y PENSE para Cardell, Cochrane, Carter, e os outros Mighty Dead que não podem falar por eles mesmos 31 de outubro de 2021

“Estou proibido de dizer mais; mas se aceitar o seu governo, vários benefícios serão prometidos, será admitido no círculo, apresentado aos Ancestrais e aos membros do culto. ” — Gerald B. Gardner, Witchcraft Today, 1954

Ouça o nosso episódio sobre este texto abaixo:

https://anchor.fm/o-pentagrama

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Karagan Griffith
Entre Cornos

Alexandrian Priest and Witch, blogger, publisher, film director and author. Host of “On the Blackchair” and “Hidden Light”