O custo humano das regras fiscais no mundo da tradução

O exemplo da dupla tributação e do formulário RFI-21 em Portugal

Marco Neves
Entre Linguas
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15 min readSep 30, 2015

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Por vezes, as regras fiscais criam complicações que vão muito para lá do esforço que representa o pagamento dos próprios impostos.

No mundo da tradução, as dificuldades aparecem multiplicadas pelo número de sistemas fiscais com que é preciso lidar — um tradutor ou uma empresa de tradução, por mais pequena que seja, trabalha com clientes e fornecedores de muitos países diferentes.

Assim, na área da tradução, a complexidade dos sistemas fiscais, as ambiguidades das leis, o contacto entre sistemas diferentes e a dificuldade de navegar os labirintos administrativos dos vários países criam uma situação muito complexa, que exige muita paciência aos tradutores e uma estrutura que as pequenas empresas de tradução não têm.

Estamos perante uma tempestade perfeita onde encontramos problemas e conflitos de toda a espécie: uma complexidade aterradora e falta de pessoal e tempo para lidar com tudo isto.

Infelizmente, nem sequer sentimos as vantagens da proverbial capacidade de navegar as dificuldades de comunicação entre culturas diferentes que deve ser apanágio de quem trabalha em tradução.

Diria mais: estando a falar de trabalhos realizados por pessoas de culturas e hábitos diferentes e onde há uma certa dose de desconfiança entre todos (que seria útil analisar noutro local), os problemas e desentendimentos nascem como plantas na Primavera.

Trabalho numa empresa de tradução relativamente pequena (somos sete pessoas) que trabalha com outras empresas de tradução e ainda com tradutores em vários lugares no mundo.

Como exemplo deste tipo de problemas, gostaria de vos apresentar a questão da dupla tributação: o facto (muitas vezes desconhecido) de que um tradutor que trabalhe para uma empresa estrangeira fica também sujeito aos impostos sobre o rendimento do país do seu cliente.

No caso de Portugal, a situação é especialmente complicada pela existência do RFI-21 e do Modelo 22, invenções da legislação portuguesa que complicam — e muito — a vida às empresas de tradução portuguesas e aos tradutores que connosco trabalham.

É apenas um caso, entre muitos outros, de complicações fiscais e legais relacionadas com a actividade da tradução.

O que é o RFI-21?

Bem, comecemos do início: ao contrário do que se calhar muitas pessoas pensam, se uma empresa portuguesa contrata um tradutor estrangeiro para fazer um determinado trabalho, o tradutor passa a estar sujeito aos impostos sobre o rendimento em Portugal, mesmo que nunca tenha posto os pés no nosso país.

Ou seja, em relação a tudo o que recebe a partir de Portugal, o tradutor (e qualquer outro profissional ou empresa) tem de pagar impostos em Portugal… e no seu país! Há, por isso, e em princípio, uma dupla tributação, porque a transacção está abrangida pelas leis de dois países diferentes.

No caso de Portugal, os valores pagos a não residentes estão sujeitos a uma taxa liberatória de 25% — o que não é nada meiguinho, diga-se de passagem.

Para evitar essa dupla tributação, os vários países assinam convenções bilaterais, com o bonito nome de Convenções para evitar a dupla tributação. O nome é estranho, mas acaba por ser um bom exemplo de documentos que explicam bem para que servem.

No que toca ao trabalho duma empresa de tradução portuguesa, estas convenções deveriam resolver o problema da dupla tributação, pelo menos nos casos em que os tradutores vivem em países que assinaram esta convenção com Portugal (há países que nunca assinaram esta convenção com Portugal, como, por exemplo, e aqui bem perto, Andorra).

Há, no entanto, um pormenor que complica tudo — e complica tudo até aos píncaros do absurdo fiscal.

Para que estas convenções se possam aplicar, a nossa lei exige a cada estrangeiro que queira receber valores a partir de Portugal que preencha e assine um formulário, chamado RFI-21, em triplicado, uma vez por ano — e este formulário tem de carimbado pela administração fiscal da pessoa em questão.

Se não acreditam, podem encontrar o formulário aqui. Gostaria de chamar a atenção para a simplicidade de todo o documento…

Para quem não esteja a perceber o problema, imaginem a situação concreta: uma empresa de tradução trabalha com empresas de tradução estrangeiras e com muitos tradutores freelancer. A cada um destes fornecedores, tem de pedir o preenchimento desse formulário—por exemplo, é preciso pedir a um tradutor chinês para pegar num formulário português e dirigir-se às suas finanças para carimbá-lo.

A coisa corre mal tantas vezes que nem vale a pena contar os pormenores.

Estes formulários, uma vez recebidos, permitem-nos fazer os pagamentos na totalidade — se não os recebermos, temos de reter 25% do valor a pagar e transferi-lo para o Estado. Nesse caso, podemos então emitir uma declaração, explicitando os valores retidos, que os tradutores deveriam poder usar para deduzir nos seus próprios países — em teoria.

Se não o fizermos, estamos sujeitos a coimas e à obrigação de pagarmos nós os impostos devidos pelos nossos fornecedores por causa dos trabalhos que lhes pagámos.

Esta é a primeira parte — mas há mais.

O Modelo 22

O estranho caso do japonês com número de contribuinte português

A segunda parte deste festival de absurdidades é esta: todos os meses temos de preencher um formulário com os pagamentos feitos ao estrangeiro.

Parece simples, não é? É só um formulário, com o habitual nome de “Modelo” (neste caso, o 22).

Ora, neste formulário, entregue pelo nosso contabilista por via electrónica, devem estar incluídos os nomes, os valores pagos, se foi feita retenção ou não — e, o mais estranho de tudo: o número de contribuinte português de cada fornecedor estrangeiro!

Se não tivermos esse número de contribuinte válido, o formulário não pode ser entregue e entramos em incumprimento, com todas as multas e complicações que daí advêm.

Perguntam-me vocês: então, mas alguma vez isto é possível?

Parece impossível, mas é verdade.

Como a grande maioria dos tradutores estrangeiros não tem — obviamente! — um número de contribuinte português, temos de enviar um ficheiro .xml para as finanças, com os dados dos tradutores ou empresas de tradução que trabalham connosco, para podermos receber o novo número de contribuinte de cada um deles.

Este processo demora alguns dois dias. Se, por acaso, o tradutor já tiver número atribuído (porque, por exemplo, já trabalhou para uma empresa portuguesa que passou por este calvário), aparece um aviso a informar-nos que aquela pessoa já tem número de contribuinte português.

E nós, claro, perguntamo-nos: então qual é o número?

Como nunca podia ser fácil, é preciso criar um novo ficheiro xml a perguntar qual é o número de contribuinte desses tradutores que, por acaso, já o têm (mas não sabem!).

O mais engraçado disto tudo (embora na altura me tenha apetecido chorar) é que as finanças perguntam qual o concelho e freguesia (!) do tradutor. Como devem imaginar, todos os países do mundo dividem-se em freguesias. Ou não.

Tive de fazer várias experiências até perceber que tinha de inserir 00 no campo do concelho e 0000 no campo da freguesia no caso dos tradutores estrangeiros. (Sim, porque as respostas têm de ser em código — não basta saber o concelho, é preciso saber o código atribuído a esse concelho. A receita parece ser: se podes complicar, complica. Se podes complicar mais um pouco, complica ainda mais. Repetir três vezes.)

E, sim, este modelo destina-se a fornecedores não residentes, que são quase todos estrangeiros.

(Um pormenor curioso: quando comecei a tratar disto reparei que o tal ficheiro xml não aceita acentos — nem sequer os portugueses!…)

As reacções perante o choque

Primeira reacção: incredulidade

Tudo isto é tão absurdo que, quando a nossa contabilista nos explicou que tínhamos de passar por tudo isto, duvidei. Pedi-lhe as leis, as portarias, tudo o que me provasse. Ela lá mostrou. Falei com outras empresas de tradução. As que consegui contactar não sabiam disto. A contabilista disse que elas estavam erradas. Falei com empresas exportadoras. Finalmente, lá comecei a ouvir: “ah, sim, o nosso departamento de contabilidade trata disso” (no caso duma fábrica); “ah, sim, temos de tratar disso de vez em quando” (no caso dum hotel).

A questão é esta: as empresas de tradução são, normalmente, muito pequenas — e têm muitos fornecedores estrangeiros. Ou seja, estes procedimentos estranhíssimos são especialmente pesados para as empresas de tradução — pelo menos, para aquelas que tentam cumprir estas leis.

Grandes empresas, com departamentos de contabilidade internos, têm muito menos dificuldade a tratar disto. Pequenas empresas, com menos de dez pessoas, terão muita dificuldade em tratar de tudo e ainda assim ter tempo e cabeça para tudo o resto.

Segunda reacção: mas está tudo doido?
Já agora: Portugal é o único país que exige isto?

Há muitos países que exigem uma declaração de residência fiscal, outros um formulário (como os E.U.A.), mas — que eu saiba — Portugal é o único que exige um formulário português assinado pelas finanças do outro país.

Já agora, para que serve isto na lógica enviesada de quem criou estas regras?

Serve para Portugal ter a certeza que aquelas pessoas pagam os impostos no país delas.

Não deixa de ser muito fofinha, da parte de Portugal, a preocupação com a receita fiscal dos outros, mas há formas muito mais fáceis de garantir isto e que não dão cabo da cabeça de quem trabalha nas empresas portuguesas.

Dizem algumas más línguas que estes formulários e Modelos servem também de barreira proteccionista encapotada. Mas não acredito nessa teoria da conspiração. Julgo que é apenas a incapacidade de compreender o custo humano e material de algumas regras que parecem muito razoáveis no papel.

Por último, sim, há preocupação pela fuga aos impostos dos estrangeiros, mas também há aqui muita oportunidade para cobrar multas. E isso é sempre vantajoso, pelos vistos.

Bem, quero ser justo: as finanças também querem ter a certeza que não há nenhum português a passar-se por estrangeiro para não pagar impostos. Mas bastaria um simples certificado de residência fiscal noutro país…

Terceira reacção: aceitação

Lá tivemos de aceitar tudo isto e pusémo-nos ao trabalho para afinar procedimentos que permitissem tratar disto o melhor possível.

Assim:

  1. Criámos um texto o mais completo possível, onde explicamos toda a situação e onde colocamos uma ligação para o formulário e para as informações relevantes sobre o nosso sistema fiscal.
  2. Este texto precede todas as outras condições de compra. Ou seja, antes de aceitar um trabalho, o tradutor tem de ler todas estas informações.
  3. Quando o tradutor aceita estas condições, tentamos resolver todas as dúvidas.
  4. Aceitamos pagar a totalidade se o tradutor nos indicar que vai enviar o formulário.
  5. Enviamos formulários já preenchidos para que o tradutor possa provar junto das finanças do seu país que esta é uma situação real.

Todos os meses, perdemos horas e horas e mais horas com esta situação. Perdemos tradutores com esta situação. Temos de ultrapassar toda uma nuvem de suspeição em redor desta questão. Além disso, arriscamos muito ao cumprir a lei: em caso de inspecção, haverá sempre um ou outro formulário que não estará bem preenchido (espero que nenhum inspector leia isto — tenham piedade de quem passa horas a cumprir estas regras…).

Seja como for, havendo regras destas, julgo que temos de tentar cumprir o melhor possível — e explicar, abertamente, porque achamos que são prejudiciais para as empresas portuguesas.

Alguns casos complicados

Uma nota: apesar dos casos complicados que relatamos abaixo, a grande maioria dos tradutores e empresas nossas fornecedoras aceita este procedimento e cumpre-o, apesar de todos os aborrecimentos. Por vezes, fico surpreendido com a forma desportiva como os tradutores lidam com estas bizarrias das finanças dum país que não é o deles.

Caso n.º 1

Este caso passou-se com tradutor polaco com quem trabalhámos durante algum tempo.

Por nossa culpa, houve um atraso no pagamento de alguns dias. Quando o tradutor mandou mensagem a perguntar o que se estava a passar, atrasámo-nos um dia a responder porque tanto eu como a minha mulher (que trabalha comigo e trata destas questões) estávamos no estrangeiro a visitar familiares.

Quando, finalmente, enviámos a resposta, perguntámos se o tradutor preferia enviar o formulário ou que fizessemos a retenção — reenviámos todas as informações que já tinham sido enviadas aquando da proposta de trabalho.

Por esta altura, o tradutor já estava convencido que tudo isto era uma artimanha para nós ficarmos com os 25%.

Obviamente que isso nunca poderia ser assim — se avisamos antes do trabalho começar, damos oportunidade para que o tradutor já inclua esta questão no preço que aceita. Além disso, este 25% de retenção são pagos ao Estado e o tradutor pode deduzir nos pagamentos de impostos que faz no seu país — isto, claro, se não conseguir o tal RFI-21, porque se conseguir não temos de reter nada e podemos pagar na totalidade. Como já expliquei várias vezes, nós preferimos pagar aos tradutores do que ao Estado.

Depois de trocarmos mensagens e dizer-lhe que iríamos então fazer o pagamento, recebo notificação do ProZ a dizer que tínhamos sido avaliados com 1 e um aviso público de falta de pagamento, incluindo mensagem a dizer que não lhe respondíamos às mensagens.

Perguntei ao tradutor qual a razão daquela mentira, tendo em conta que tínhamos estado a trocar mensagens antes de aparecer aquela acusação pública. Ele disse-me que tinha enviado a avaliação antes de trocar mensagens comigo. Acreditei, mas pedi-lhe para retirar, tendo em conta que já estávamos a tratar de tudo. Disse-me ele que só retiraria depois de pagarmos.

Ora, claro que pagámos (pagamos sempre), retirando os 25% obrigatórios, porque o tradutor acabou por se recusar enviar o formulário RFI-21 alegando que não estava em polaco e que tínhamos de enviar tradução certificada por tradutor polaco. Explicámos que isso era impossível, que não tínhamos possibilidade de traduzir oficialmente o formulário, que tinha de ser preechido no original português e inglês.

Pagámos ainda o valor da retenção ao Estado e enviámos o comprovativo e a declaração de pagamento por e-mail e por correio (em português e em inglês).

Resultado: pagámos o valor na totalidade, enviámos os documentos necessários às nossas custas, perdemos horas e horas a tentar explicar e resolver este problema de forma correcta para todos.

A avaliação negativa e o aviso de falta de pagamento continuam no ProZ. O tradutor ficou com a certeza que o tínhamos enganado e não quis dar-se ao trabalho de retirar a avaliação.

Entretanto, enviei uma mensagem ao ProZ a explicar toda a situação e a solicitar a remoção do aviso. Não sei se vão conseguir compreender bem a situação e toda a bizarria do sistema fiscal português…

Caso n.º 2

Este foi o caso que me convenceu a escrever este texto.

Trabalhámos durante algum tempo com uma empresa de tradução lituana.

Ora, durante o ano passado, aquando do pagamento dos primeiros trabalhos, perguntámos — como sempre — se preferiam entregar o formulário para que pudéssemos fazer o pagamento na totalidade ou se deveríamos fazer a retenção de 25%.

Responderam-nos que iriam tratar do formulário. Nós, em boa-fé, fizemos o pagamento desses projectos.

Ora, o formulário nunca chegou.

Este ano, quando tivemos outros projectos a pagar, pedimos-lhes de novo o formulário, explicando que caso não o recebêssemos, teríamos de fazer a retenção dos valores correspondentes a todos os pagamentos anteriores. Ou seja, éramos obrigados a reter o valor de 25% correspondente ao valor dos projectos do ano passado e deste ano.

Obviamente, por esta altura, já estávamos a receber mensagens a dizer que não podia ser e que estávamos a obrigá-los a pagar os nossos impostos.

Explicámos a situação, de novo.

Acabámos por fazer a única coisa que podíamos fazer: pagámos retendo o valor correspondente a 25% de todos os valores pagos — explicando que o valor seria pago ao Estado até ao final do mês e que, até lá, ainda poderiam enviar-nos o formulário, permitindo-nos fazer o pagamento total de forma legal.

Resposta? Uma avaliação negativa no ProZ, indicando que tínhamos retido 60% do valor a pagar (porque o valor retido relativo a todo o ano correspondia a 60% do último trabalho) para pagamento de “impostos” — assim, entre aspas, mostrando que estavam convencidos que era tudo invenção nossa.

Fico desolado com estas situações. Eu sei que todos passámos por muitos problemas com clientes, com empresas que não pagam, com artimanhas deste e daquele tipo. Mas a nossa tentativa honesta de cumprir leis com as quais não concordamos acaba por esbarrar contra esta desconfiança feita de muitos casos anteriores, em relação aos quais não temos qualquer responsabilidade.

Perguntas e respostas

Estas são algumas das reacções que recebemos quando os tradutores são confrontados com esta situação:

“Mas nós pagamos impostos no nosso país!” ou “Não somos portugueses, porque temos de tratar disto?”

Nós sabemos: mas aos pagamentos que saem de Portugal aplicam-se as leis portuguesas, por mais absurdas que sejam. Não é, de qualquer forma, uma situação anormal: é exactamente para evitar estas situações que se assinam as tais convenções para evitar a dupla tributação.

“Nós somos europeus e temos número de registo de IVA! Não têm de reter nada!”

Infelizmente, são questões diferentes: mesmo os fornecedores da União Europeia, que no caso do IVA têm uma situação particular e mais favorável, estão sujeitos aos impostos portugueses sobre o rendimento. São situações diferentes.

“As outras empresas de tradução não me pedem isto!”

Imagino que algumas empresas ignorem todas estas regras.

Obviamente, os tradutores ficam convencidos que somos nós que estamos a enganá-los e a tentar ganhar alguma coisa com o negócio de forma obscura. O que é falso, mas seria uma conclusão a que eu próprio chegaria (provavelmente) se estivesse do outro lado.

Num mundo ideal, todos os concorrentes em determinado mercado cumpririam as mesmas regras e agiriam em conjunto para propor a alteração das regras absurdas (como estas). Infelizmente, não é assim.

Mas, claro, também compreendo a posição dessas empresas: isto é demasiado absurdo para não cairmos em tentação de ignorar. Até ao dia…

“Vocês querem que nós paguemos os vossos impostos!”

Não. A taxa liberatória é uma obrigação fiscal do “beneficiário dos rendimentos”, ou seja, da pessoa que vai receber o dinheiro. Quem paga tem a obrigação legal de garantir esse pagamento e pode ser responsabilizado se não o fizer.

Podíamos pagar nós, do nosso bolso, estes impostos? Mesmo que tal fosse financeiramente sustentável, as finanças não deixam: iriam recusar esse custo e teríamos de pagar impostos sobre esses impostos.

Se não cumprirmos estas regras, então, sim, somos obrigados a pagar os impostos dos nossos fornecedores — e todas as multas possíveis e imagináveis.

(De qualquer forma, todos os tradutores que contactamos são informados previamente desta questão. Podem tê-la em consideração ao definir o preço.)

“Vocês querem ficar com o meu dinheiro!”

É raro depararmos com estas reacções extremas, mas já aconteceu, como relatado nos dois casos acima.

Tudo isto é pesado e difícil. Estamos a falar dum nó complicado de dificuldades jurídicas, humanas, linguísticas, laborais e por aí fora atirado para cima de profissionais com uma actividade já por si cheia de dificuldades e atirado para cima de pequenas empresas que trabalham com muitos países.

Presumo que as conclusões erradas e precipitadas a que alguns tradutores chegam quando lhes falamos disto estejam relacionadas com más experiências que tiveram com empresas de tradução.

Compreendo perfeitamente — afinal, também nós temos várias más experiências com clientes e fornecedores.

Por vezes, quando tento explicar, dizem-me: “vocês”, num plural que inclui todas as empresas com quem aquela pessoa em particular já teve conflitos. Gostava de poder dizer: vamos falar deste problema, não de outros com os quais não tenho nada a ver. Mas acabo por compreender (algumas) das reacções.

Na nossa empresa tentamos, sinceramente, ajudar o melhor possível. Imagino que nem sempre consigamos — pelo menos, na perspectiva de quem está a trabalhar com uma empresa portuguesa que lhe pede uns misteriores formulários para poder pagar, o que cheira à distância a tramóia.

Sentimos também aqui a maldição do email. É impraticável e perigoso explicar todas estas situações por telefone. No entanto, os emails acabam por ser formas péssimas de comunicar quando há possibilidade de conflito…

Também por isso escrevo este texto: para explicar o melhor possível e apresentar a situação tal como ela é.

No fundo, toda esta longuíssima explicação sobre temas fiscais é uma tentativa de traduzir a nossa situação para quem está a ver tudo noutra perspectiva e assume conclusões que acabam por inquinar a relação entre cliente e fornecedor.

Sei que é muito difícil, mas aqui fica a tentativa.

Por outro lado, este texto serve também para mostrar como certas regras, que podem parecer necessárias e muito razoáveis a quem as cria — e que têm, no fundo, objectivos nobres (evitar a fuga aos impostos) — têm um custo humano e material que não pode ser ignorado. Tenho a vaga sensação que Portugal é pródigo nestas invenções.

Reparem. Não se exigir menos impostos. Aceitamos e pagamos os impostos que permitem ao Estado funcionar. Trata-se de não complicar a vida e o trabalho dos profissionais independentes e das pequenas empresas para lá do que é razoável. Resolver estes imbroglios ajudaria — e muito — a fazer crescer (por pouco que seja) a economia. E reduziria o imenso custo humano (físico e mental) que tudo isto implica.

Quem inventa estass regras deveria ter estes casos concretos em consideração, para que aqueles que querem cumprir a lei não sejam prejudicados. São dificuldades que não beneficiam ninguém…

Há alternativas?

Não falo de baixar os impostos ou alterar as taxas — apenas gostaria de ver alguma simplificação dos procedimentos. Por exemplo, permitir a aplicação das tais Convenções para evitar a dupla tributação através da apresentação dum formulário que não fosse preciso carimbar nas finanças locais — ou então aceitar um certificado de residência fiscal de cada tradutor, algo que resolveria o problema de saber se o tradutor é, de facto, não residente sem obrigar a toda esta ginástica.

Para quem está a escrever a lei, exigir um formulário parece coisa simples. Já será muito diferente para quem está, num escritório, a lidar com dezenas de formulários e de modelos e de complicações — e tem ainda de fazer o seu próprio trabalho, para lá de todas as exigências fiscais.

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Marco Neves
Entre Linguas

Writer of non-fiction books on language and translation. Assistant Professor at NOVA University of Lisbon. Researcher at CETAPS.