2020 Dedo no Olho e Gritaria
Um compilado de 10 discos maravilhosos lançados até agora.
Otimismo é algo que anda em falta neste fatídico ano, né mesmo? Por isso, injetar uma dose do lado bom é imprescindível. A música, por exemplo, se mostrou o antídoto terapêutico mais relevante em 2020. Para ilustrar este momento, as minas têm lançado trabalhos incríveis que aconchegam o coração, nos fazem repensar situações e poetizar cotidianos. Através de uma catarse sentimental, dedo no olho e gritaria, estes 10 discos listados aqui caem como presentinhos da deusa.
tricot (真っ黒 / Makkuro)
Há uma gama musical diversa na terra do sol nascente e, muitas vezes, não temos acesso a bandas japonesas no Brasil. Em 29 de janeiro, o quarteto de math-rock tricot lançou seu tão aguardado primeiro álbum por um grande selo. Intitulado Makkuro (真っ黒) — em português, Preto — o disco apresenta uma criatividade melódica surpreendente. Vocal aveludado, pirações acentuadas e tempo bem marcado estão presentes neste disco com muita imponência.
Laura Marling (Song For Our Daughter)
Um disco minimalista que revisita a música folk dos anos 70 e muito lembra o começo da carreira de Laura Marling. Lançado em 10 de abril, o álbum Song For Our Daughter está repleto de belas histórias sobre a natureza complexa do mundo. A compositora britânica fala de várias perspectivas. Tanto como mãe quanto filha. A mãe compartilha sabedoria com a filha. A filha, ainda consegue cair em algumas das armadilhas da vida. É um álbum que reflete profundamente e carrega questões a serem ponderadas.
Ginge (Pré-Jogo)
Quatro músicos que representam a ascensão do indie feito nas Alterosas para o mundão afora. Ginge é a união entre Marcela Lopes (baixo), nossa Bruna Vilela (guitarra — e também colaboradora aqui do Entre LP!), Fernando Motta (guitarra) e Vitor Brauer (bateria). O primeiro EP do quarteto — Pré-Jogo — está fresquinho na praça. Lançado em 23 de julho, o projeto traz quatro faixas embevecidas num pop descolado, chiclete e divertido. Perfeito para acalmar os nervos em dias de barra.
Jessie Ware (What’s Your Pleasure?)
O quarto trabalho de estúdio da inglesa Jessie Ware é um glamoroso passeio pela história da música ao longos das décadas. Lançado em 26 de junho, What’s Your Pleasure? se tornou uma obra-prima exuberante feita para as pistas de dança — que no momento acontecem no quarto, na cozinha ou no banheiro. No ano em que a disco music voltou a circular no topo do mainstream, Ware pode se encontrar diante de comparações com o retorno semelhante de Lady Gaga em Chromatica ou com a reinvenção de Dua Lipa sobre Future Nostalgia. No entanto, embora existam semelhanças entre os três álbuns, What’s Your Pleasure? se posiciona distintamente com uma abordagem sofisticada e madura do gênero, referenciando diretamente convenções passadas sem a necessidade de escancarar seu brilho em relação ao público pop moderno.
Mahmundi (Mundo Novo)
Que presente lindo Marcela Vale (mais conhecida como Mahmundi) nos deu em 29 de maio! Um disco dedicado ao amor, sorrisos, encontros e abraços sinceros. Desarmada dos sintetizadores e sobreposições em Mundo Novo, Mahmundi é acompanhada por uma banda enxuta e entrega um som orgânico, meio MPB anos 1990 e início do milênio. Em tempos de desesperança mundial, a musicista carioca lança um olhar reflexivo e nos faz pensar que a troca humana e a empatia são fundamentais em meio ao caos.
PJ Harvey (Dry — Demos)
No mês de maio, a iconoclasta PJ Harvey anunciou o lançamento de toda sua discografia em formato vinil. Cada LP virá acompanhado de um disco com demos contendo todas as músicas em seu formato cru e original. O primeiro álbum — Dry, de 1992 — saiu em 24 de julho, e a demo é tão visceral quanto o disco. Influência nata de toda uma geração, é bom demais celebrar estas reedições. PJ Harvey permanece uma multiartista cool, icônica e atemporal.
Jup do Bairro (Corpo Sem Juízo)
O que pode um corpo sem juízo? Sobre esse manifesto de possibilidades, a paulistana Jup do Bairro apresenta o EP gestado ao longo dos últimos anos. O projeto audiovisual, com produção de BADSISTA, foi lançado em 11 de junho e conta com cinco faixas que nos conduzem por uma viagem imersiva e intensa ao universo criativo da artista. Em termos sonoros, é um caldeirão de referências, de alguém que ouve de Sampa Crew à Bjork. Muito além de um corpo, uma mente contestadora atravessada por ideias e questionamentos sobre a humanidade, a qual caminha sobre escombros e corpos há tempos.
Fiona Apple (Fetch The Bolt Cutters)
Não é fácil pra ninguém escrever sobre Fiona Apple, seja o álbum que for. Oito anos após o lançamento do último trabalho, em 17 de abril, ela apresentou Fetch The Bolt Cutters ao mundo. No que talvez seja o seu disco mais cruel, vulnerável e ousado, o álbum passeia entre diferentes traumas da artista a partir de elementos de uma rotina comum a qualquer um. Os sons trabalhados aqui vêm das mais variadas fontes, desde as tradicionais até o uso de talheres, batidas nas paredes e chão de sua própria casa — e também dos ossos de sua finada cachorra que são usados como instrumentos de percussão. Latidos também são ouvidos ao fundo e incorporados com maestria ao caos que é o restante do disco. Muitos críticos já o consagraram como o lançamento do ano. É sentir e ouvir.
Lianne La Havas (Lianne La Havas)
Intitulado a partir do nome da própria artista, o material conta com 12 faixas em ritmo de soul cativante. Lançado em 13 de julho, o disco mantém temáticas profundas que vão do término de um relacionamento e o encontro de um novo amor até a ansiedade, a insegurança e seus efeitos. Apesar de descrever o início eufórico e o agonizar do término de uma relação, o trabalho reforça a autoconfiança de uma mulher que assume o protagonismo de suas escolhas. Quando tocou no Brasil em 2016, a inglesa contou que suas referências familiares vão do jazz a canções de todos os lugares, incluindo música brasileira, soul, R&B, dance dos anos 80 e 90. Assumidamente fã de MPB, La Havas declarou que ouviu muito Milton Nascimento durante a composição deste disco.
Alanis Morissette (Suck Pretty Forks in the Road)
Um álbum para ser apreciado através da exploração de sua construção lírica. O aguardado Suck Pretty Forks in the Road, de Alanis Morissette, chegou em 31 de julho e ressalta a capacidade que Alanis tem em expressar seus sentimentos mais legítimos com uma pitada generosa de ironia. Temas como maternidade, a relação com a fama, depressão pós-parto, entre outros acontecimentos ao longo desses anos foram postos neste disco com transparência. Morrissette canta não como alguém tentando ser escutado, mas como alguém tentando se curar. Em Such Pretty Forks In The Road, estamos ouvindo uma cantora que se libertou das restrições, pressões comerciais e que escreveu apenas com sua própria introspecção.
Uma playlist com músicas dos discos retratados aqui está disponível no Spotify do ENTRE LP ❤