40 anos de mulheres na frente do punk

Anna Bella Bernardes
ENTRE LP
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5 min readJun 2, 2017

Vim do presente (são 18h55 do dia 29/07/2020) dizer um clichê necessário: o tempo passou e pouca coisa mudou. Mas fato é que seguimos resistindo e fortalecendo a cena punk. Não posso deixar de mencionar bandas que tomei conhecimento ou que surgiram depois desse texto de junho de 2017: Pata, Hayz, Bioma, Cosmogonia, Anti-corpos, Weedra e Bertha Lutz. Criamos uma playlist no Spotify com todas essas bandas citadas. De ontem, de hoje, brasucas e gringas. Também me propus a desenvolver um novo conteúdo com a Damy Coelho falando do cenário atual das mulheres na frente do punk nesses 43 anos de dores e delícias. Sigam a Entre LP aqui no Medium e no Instagram pra ler em primeira mão esse e muitos outros conteúdos!

Girls invented punk rock not England. Not boys. Not USA. Patrícia Fiqueiredo, a Redys, uma das organizadoras do evento 40 Anos de Punk — Mulheres Punks Resistem diz que as mulheres reformaram o movimento punk a partir do momento que vivíamos no machismo mascarado de contracultura libertária e hoje estamos nas ruas tocando na ferida. “Ninguém vai nos calar. Então seria certo dizer que melhoramos o movimento, mas ainda há muita coisa a se mudar.”

Reprodução/Facebook

No porão da Ocupa Ouvidor 63, no centro de São Paulo, Mulheres Punks Resistem ocorreu na tarde do último domingo de abril. O evento reuniu os shows das bandas TxPx Knup — Tarja Preta, Charlotte Matou um Cara, Alto Nível de Insanidade e Kolika e contou com rodas de bate-papo sobre feminismo negro, violência obstétrica, maternidade compulsória, descriminalização do aborto e machismo no movimento punk. Completamente DIY, como todo bom evento punk, o festival ainda contou com bancas de troca e venda, um pedestal improvisado feito com um cabo de vassoura e mães punks que foram acompanhadas das suas crias.

Foto DIY que eu fiz durante o show da Charlotte Matou um Cara

O 40 Anos de Punk — Mulheres Punks Resistem surgiu pela comemoração do 77, data do nascimento do punk, mas também por outra razão muito especial para Redys, que além de vocalista da TxPx Knup — Tarja Preta é mãe da Ágatha: “quando estava grávida fui convidada a tocar com a minha banda num evento. Tive a minha filha e na data do show ela estava com dois meses. Eu amamentando tinha que levar ela para o evento. Porém, os organizadores me proibiram de entrar com ela, então, como organizar um evento onde não acolhe mães? Seus filhos? Devido a isso o evento foi criado pra mostrar que mulheres, mães punx existem e resistem.”

Redys e Ágatha ❤

Para Redys, a organização dos eventos em geral acaba excluindo as bandas de formação feminina ou mesmo as mulheres que exercem funções administrativas. Os eventos punks na sua maioria são de homens para homens, mas nós mulheres, mesmo com a dificuldade em encontrar apoio nos eventos autogeridos, precisamos mostrar que resistimos para conseguirmos passar nossas ideias e ideais de igualdade, que muitas vezes acabam virando clichês. Mas que ainda assim são clichês necessários.

O corpo da mulher sempre foi um campo de batalha. Nós, estando à margem do mundo estruturado pelos homens, somos naturalmente punks. Reinventamos a revolta, os direitos humanos e a revolução. Uma mulher com um microfone ou um instrumento na mão é um ato político. Especialmente se olharmos a misoginia presente na indústria da música por gerações. Mesmo com o machismo dentro da música, o punk e outras músicas de protesto rompem padrões, empondera e dá liberdade de sermos quem quisermos.

Mulheres na frente

God save the queen Vivienne Westwood, a rainha do punk, que foi a responsável por construir a identidade visual punk, vestindo os Sex Pistols e todo um movimento de contracultura com xadrez, spikes, bondage correntes e alfinetes .

Suzi Quatro começou a cantar nos anos 60, mas foi em 70 que ela se tornou uma das grandes vozes femininas do rock. The Runaways, uma das primeiras bandas formadas só por mulheres e uma das minhas bandas preferidas na adolescência (antes mesmo de eu ouvir falar em feminismo), teve Suzi como grande inspiração.

Por sua vez, Patti Smith veio para mostrar que punk e poesia podem se dialogar muito bem e ser importantes símbolos de protesto. Na frente da banda The Patti Smith Group, Patti canta músicas cheias de poesia e pensamentos feministas. Em 2010, ela lançou o livro Só Garotos, que não só conta sua história na arte e na música antes da fama, como também descreve toda a ebulição cultural de Nova York nas décadas de 60 e 70.

“As mulheres são anarquistas e revolucionárias naturais, porque elas sempre foram cidadãs de segunda classe e tiveram que fazer o seu próprio caminho”, proferiu a mesma mulher da camiseta Girls invented punk rock not England, Kim Gordon, baixista, guitarrista e vocalista da Sonic Youth.

Kim Gordon e sua famigerada camiseta

Do lado de cá, em 1983, as Mercenárias se questionavam sobre onde está a honra do homem (Tá na moral? Tá na diagonal? Tá na horizontal? B. A honra do homem tá no cú, tá no cú, tá no cú), a Dominatrix surgia em 1995 como a precursora do movimento Riot Grrrl no Brasil e a banda Bulimia gritava que punk rock não é só para o seu namorado em 1998.

Outras bandas punks feministas brasileiras para conhecer (ou ouvir de novo): Menstruação Anaquika, Lâmina, In Venus, Sapataria, M0ita e Ratas Rabiosas.

Garotas para frente. Não estou brincando.

All girls to the front. I’m not kidding” era uma intimação comum feita por Kathleen Hanna no início dos seus shows com a Bikini Kill e uma frase carregada de sentido para um movimento feminino e feminista que foi tão importante na década de 90, mas que também é pouco conhecido nos dias atuais. O movimento Riot Grrrl influenciou até as Spice Girls, que se apropriaram do termo Girl Power criado por Katheen em uma das suas zines.

Enquanto uma mulher for violentada, silenciada ou sofrer preconceito por gostar/fazer música e frequentar/fazer shows, continuaremos inventando o punk rock.

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Anna Bella Bernardes
ENTRE LP

Jornalista das Gerais perseguindo São Paulo. Comms leader do @museudapessoa e Co-founder da @entrelp. www.instagram.com/annagramizando