Assinando cultura: conheça um pouco mais sobre os clubes de assinatura

Anna Bella Bernardes
ENTRE LP
Published in
8 min readSep 30, 2020

No Brasil, o segmento de clubes de assinatura cresceu 167% de 2015 a 2019, movimentando 1 bilhão de reais ao ano de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Eles estão tomando conta de vários segmentos no mercado e conquistando cada vez mais assinantes.

Tanto que a tendência já movimenta 10 bilhões de dólares por ano nos EUA. Entre as gerações, os millennials, pessoas que nasceram entre 1981 e 1996 (estou nesse clube e muito provavelmente você também), são os maiores entusiastas na assinatura desta modalidade de serviços recorrentes.

Isso comprova que nossa geração gosta de uma reunião. Ainda que seja virtual. Ainda que seja por assinatura. Sem contar que nossa geração presenciou uma das maiores revoluções da história: a Internet. Conexão e experiência são os nossos lemas.

Curadoria, exclusividade, comodidade, preço mais atrativo e facilidade na entrega é tudo que o modelo de negócio dos clubes de assinatura promete entregar. Em contrapartida, o assinante entrega fidelidade e compra recorrente para a empresa.

O clube de assinatura ainda é algo novo e chegou ao País em 2011. Dois anos depois da sua entrada houve um uma explosão no e-commerce por assinatura. Haviam 800 empresas do ramo no Brasil em 2018. E em 2020, durante a quarentena, esse número deve ter crescido um pouco mais…

Em tempos de pandemia, onde precisamos de agilidade ao sair de casa e a compra programada permite que a gente não necessite sair de casa para ir atrás dos produtos, o clube de assinaturas pode ser uma excelente opção. Um grande impacto econômico no mercado foi gerado com a pandemia. E as marcas que têm propósito, entregam boas experiências e oferecem soluções inovadoras para os consumidores estão ganhando força.

A forma de consumir produtos por assinatura que vemos hoje não passa de uma reinvenção do modelo de assinaturas de jornais e revistas, pagos mensalmente e entregues na porta das casas dos assinantes. No modelo atual, os clubes de assinatura ocupam diversos nichos do mercado: beleza, livros, vinhos, cervejas, cafés, hortifruti, produtos para animais de estimação, plataformas de entretenimento e produtos de limpeza natural (inclusive esta é uma das assinaturas mais esperadas aqui em casa). Opções não faltam para interessados que querem optar por assinaturas mensais, semestrais ou anuais de forma prática e online.

Mas hoje eu quero falar um pouco mais sobre a cultura por assinatura.

NOIZE Record Club

Fiquei conhecendo a NOIZE em outubro de 2018, graças à Letrux estampando a capa do vinil vermelho, da revista e do recheio da edição #32. Havia a opção de comprar uma edição individual ou fazer a assinatura mensal ou bimestral. Só sei que tudo se esgotou rápido demais e não consegui efetuar a compra. Mas comecei a seguir a Revista NOIZE no Instagram.

Em setembro de 2019, o disco que iria ilustrar a edição #93 seria Sinto Muito da Duda Beat e foi aí que eu iniciei esse frisson que é assinar a NOIZE. Entrei para o clube pelos discos e fui pega pela qualidade da revista. Tanto que o combo NOIZE foi o que me motivou a escrever esse texto sobre as assinaturas. Quem compra LPs provavelmente já é um colecionador. Então, nada mais justo do que ter opções de clube de vinil por assinatura. Pra mim, a NOIZE acertou em cheio com o Record Club.

A NOIZE Media nasceu em 2007 em Porto Alegre e tem como braços a NOIZE FUZZ, a GRITO, a BOOST e a Revista NOIZE. Em 2014, a revista deu origem ao NOIZE Record Club, o primeiro clube de assinatura de discos de vinil da América Latina. Você até pode comprar o vinil avulso, mas a revista permanece exclusiva para assinantes.

Quatro cinco um

A Damy Coelho assina a Quatrocincoum e ninguém melhor do que ela pra contar como é a assinatura:

“Eu já sabia da Quatrocincoum há um tempo e gostei do que conheci da revista — me interessou o fato de ser voltada para a literatura e ter esse formato tabloide, com grandes ensaios, ainda sem perder a factualidade. Conheci através de um professor que publicou um ensaio muito bonito sobre Ana Cristina Cesar, mas depois raramente consegui ler alguma coisa.

Esse ano, com a pandemia, fez sentido buscar uma leitura fixa mensal. Analisando o melhor plano, encontrei o clube de assinantes. Eu nem sabia que a Quatrocincoum também tinha esse clube de assinaturas e eu acho que veio a calhar também. Eu estava sentindo falta de ler coisas que talvez não chegassem pra mim, que fossem diferentes das leituras teóricas do mestrado (esse período acaba fechando a gente pra ler outras coisas) e especialmente que tivessem essa curadoria, que fossem indicadas por outras pessoas pautadas em outros critérios, inclusive naqueles que poderiam me agradar.

Se eu não tivesse encontrado esse clube de assinantes da Quatrocincoum, provavelmente buscaria algum outro, de vinil, de livros… então, acabou juntando as duas vontades em uma. Com o plano mensal, você leva a revista, um livro diferente a cada edição e ainda tem alguns descontos em livrarias e museus, então, me parece muito vantajoso.

Claro que um clube de assinaturas mensal ainda é um recurso que não é acessível para todos, mas já acho interessante que essas iniciativas surjam cada vez mais e, porque não, fiquem mais populares. É legal também a premissa de saber que tem mais gente lendo o mesmo que você. É mais ou menos a sensação de ver um filme no cinema, de assistir alguma coisa na TV… A gente se sente próximos e conectados a outras pessoas de alguma maneira. Em um ano tão conturbado como esse, em que estamos mais isolados, eu acho que essas coisas somam muito.”

A Quatrocincoum, a revista dos livros, começou a circular em maio de 2017. Ela publica resenhas e ensaios literários que servem como pano de fundo para discussão de temas de grande interesse da sociedade. Seu nome faz referência ao romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, no qual livros foram proibidos e incinerados a 451 °F.

Revista Balaclava

Lançada em novembro de 2017, a Revista Balaclava é uma publicação semestral independente de música e cultura. A revista tem tiragem gratuita e é produzida pelo selo e produtora independente Balaclava Records, com o projeto editorial idealizado por Heloisa Cleaver e Isabela Yu. E nesse mês de setembro, ela iniciou uma campanha de assinaturas nas plataformas Apoia.se e PicPay com meta de arrecadação de R$ 3300 por mês para arcar com os custos de produção de cada edição, tornando a revista financeiramente sustentável e buscando uma evolução contínua a cada lançamento.

Em junho deste ano, a Francielle Cota conversou com a Isabela Yu sobre fotografia analógica no texto Film is not dead: a película reverbera pela cena independente e aproveitou para fazer algumas perguntas pra ela sobre a Revista Balaclava e a sua carreira como jornalista musical. Confira abaixo os trechos inéditos da entrevista:

Entre LP: Você é uma mulher bem “faz-tudo” na cena paulista. Poderia contar um pouco dos seus trabalhos com a Balaclava?

Isabela Yu: O que eu sei e o que eu gosto de fazer mesmo é escrever matéria. Meus outros trabalhos surgem da necessidade de dinheiros e de me movimentar. Minha história com a Balaclava é engraçada. Meu primo, Leo Yu, fez faculdade com o Fernando Dotta e o Rafael Farah, os sócios do selo. Então, sempre soube da existência desses amigos do Leo que tinham um selo. Na mesma época, comecei a estagiar na Viacom, no site da “nova” MTV Brasil. Logo em seguida, fiquei amiga da Helo Cleaver. Ela precisava de uma “empresa” para fazer um plano de comunicação no TCC do curso de Relações Públicas. Juntei eles. Posteriormente, a Helo ficou encarregada das redes sociais do selo — job que é minha responsabilidade hoje em dia.

Quando me formei na faculdade de Jornalismo, fiz uma revista gratuita como projeto de conclusão, a Revista Virgem. Depois da MTV, fui estagiar na editoria de Cultura e Lifestyle da ELLE, reacendendo meu amor por revistas. Em 2017, um ano depois de me formar, estava desempregada e surgiu a ideia de fazer uma revista gratuita de música para comemorar os 5 anos da Balaclava. A Revista Balaclava segue contrariando as previsões, gratuita e está em sua quinta edição. Fizemos também um Instagram recentemente, o @revistabalaclava, que está sendo um desdobramento muito interessante do conteúdo publicado.

Entre LP: Como é feito o processo de curadoria e produção da direção fotográfica até que esses registros cheguem na mão do leitor?

Isabela Yu: Para essa última edição, a quinta, a gente contou com ajuda da Thata Jacoponi como diretora de arte para as fotos. E o nosso processo começa com a pessoa que a gente vai fotografar. A partir daí, vamos tentando buscar pequenas nuances — do tipo, qual é o tipo de música que essa pessoa toca? Como se veste? Quais elementos gostaria de trazer? O lance de clicar músicos é que eles não são modelos, eles tem personalidades muito específicas. Então, o trabalho precisa ser de troca o tempo inteiro.

Na revista, como a gente faz de tudo, acabamos participando de todos os processos. Com a Thata, criamos juntas as referências e ela dá um direcionamento maior sobre acting, paleta de cor, props.

Algo muito específico da revista é que sempre tentamos trabalhar com fotógrafas mulheres. Vou te contar algo, de 5 a 5 mensagens que eu recebo sobre tirar fotos para a revista, todas são de homens. A relação da mulher com o próprio trabalho é muito específica, é completamente diferente dos caras que são cara de pau e vão se vender. E porque tem trabalhos de mulheres absurdos pelo Brasil inteiro.

Entre LP: Como é trabalhar com jornalismo musical na maior cidade do país? O que você mais gosta nesta editoria?

Isabela Yu: Acho doido. O termo jornalismo musical nunca me abrigou. Eu também trabalho com jornalismo musical, mas escrevo de tudo rsrs. Acho que é uma constante batalha para entender melhor sobre isso. Não temos um grande número de mulheres jornalistas musicais, a maioria são homens. Palestras sobre jornalismo musicais são mediadas e debatidas por homens.

Eu prefiro dizer que escrevo sobre cultura. Em especial, a música tomou um espaço maior depois da revista. Eu sempre gostei de sugerir pautas musicais porque é um assunto que eu consumo bastante, então acabo expandindo o meu repertório. Eu me interesso por saber o que está por trás das coisas. O que a pessoa que fez aquele som estava pensando na hora, o que o levou até lá, acho que todos os tipos de curiosidade.

Sobre especificamente São Paulo, é um grande privilégio começar a carreira aqui, que também é um caos. Tenho a plena consciência sobre o desenvolvimento urbano muito particular daqui. E também da concentração cultural do sudoeste. Ao mesmo tempo em que é possível escrever sobre cultura, ainda é a duras penas em que os próprios veículos se sustentam. Além de fazer a revista, as coisas do selo, as matérias do Monkeybuzz, eu passo o ano todo pulando de freelas — escrevi newsletters da Westwing e da Amaro, escrevi para as revistas Noize, Forbes e Cidade Jardim, e vou desenrolando com o que precisarem de texto.

Como puderam perceber, esse texto contou com a ajuda da Damy e da Fran. Logo, preciso demonstrar minha imensa gratidão a essas parceiras pelas trocas tão valiosas. Queremos promover na Entre LP ações cada vez mais coletivas entre a gente, as artistas/entrevistadas/personagens e a nossa audiência.

Como mencionado na fala da Damy, as assinaturas entram em conflito com a questão do acesso. Pensando nisso, quero abordar sobre as Newsletters, outras fontes riquíssimas de informação por assinatura, em um novo momento. Espero que você tenha gostado do conteúdo de hoje. Se sim, deixe seus aclamados aplausos e escreva um comentário aqui em baixo ou no nosso Instagram. Até a próxima!

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Anna Bella Bernardes
ENTRE LP

Jornalista das Gerais perseguindo São Paulo. Comms leader do @museudapessoa e Co-founder da @entrelp. www.instagram.com/annagramizando