[Entrevista] — Fernanda Abreu

Damy Coelho
ENTRE LP
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7 min readJun 3, 2021

A ENTRE LP teve a oportunidade de entrevistar e também de conhecer um pouco mais do trabalho de Fernanda Abreu.

Para começar, Fernanda é o tipo de estrela pop que o Brasil precisa, sobretudo em tempos como esses: antifacista, se posiona ativamente contra um governo que desrespeita a diversidade e a vida. Ao entrar em seu Instagram, vemos, além da divulgação de seu trabalho, postagens sobre a manifestação contra Bolsonaro ou cobrando a vacinação para todas as pessoas.

(Instagram/Reprodução)

Para além disso, dita tendências: já chamava a atenção como backing vocal na Blitz, o que a levou a percorrer seu próprio caminho na música pop: seu primeiro álbum, Sla Radical Dance Disco Club (1990), produzido pela própria cantora com Herbert Vianna e Fábio Fonseca, hoje é um clássico que mistura samples famosos de dance music a um vocal suingado, considerado um divisor de águas na nossa música pop.

Não demorou para Fernanda tornar-se também uma das principais porta-vozes do funk carioca pelo Brasil: tudo começou na primeira vez em que foi a um baile funk para um show do DJ Marlboro — desde então, insere em seus trabalhos elementos dessa música tão pulsante e popular. Dá gosto de ver sua entrevista para o Roda Viva em 95, na época de lançamento do Da Lata, defendendo o funk e os MCs do estereótipo de criminalidade que amendrontava a “família de bem” (entre muitas aspas) daquela época. Rodeada por jornalistas influentes, Fernanda deu uma verdadeira aula sobre a música popular do Brasil— inclusive, vale o adendo: além da carreira na música, Fernanda também cursou Sociologia.

Vale lembrar também das parcerias marcantes que a cantora teve ao longo de sua carreira, seja com o próprio Hebert ou com Fausto Fawcett, comunicador-artista de mente fervilhante com quem Fernanda teve algumas trocas musicais (entre elas, “Rio 40 Graus” e “Juliette” — sim, Fernanda Abreu é tão à frente de seu tempo que já vinha falando em Juliettes nos anos 80, numa música que é quase uma crônica policial da noite de Copacabana).

Hoje, 30 anos após o lançamento do seu primeiro álbum, a música de Fernanda Abreu ainda perpassa profundamente a realidade do país: em 2020, no dia em que estava marcada a gravação do seu DVD ao vivo (Amor Geral — (a) live), o Rio decretou o período de isolamento social, e na última hora o trabalho precisaria ser gravado sem público. O percalço não tirou o brilho do projeto, que manteve a energia que uma apresentação ao vivo deve ter.

Além da música, a cantora também se envolve diretamente em projetos sociais, como nos conta nesta entrevista.

Que possamos conhecer um pouco mais e valorizar a trajetória artística de Fenrnada Abreu, e (especialmente) que outras Fernandas possam surgir contribuindo cada vez mais com a verdadeira música popular brasileira.

Confira o nosso papo!

[ENTRE LP] Como foi relançar o Sla Radical Dance Disco Club em vinil após 30 anos, apresentando um trabalho definidor no pop brasileiro para uma nova geração?

[FERNANDA ABREU] Foi incrível! Quando recebi o convite da Noize Records com o interesse em reeditar esse vinil com o plus de uma longa entrevista para a revista deles, adorei. É um disco que hoje, passados 30 anos, ainda acho muito bom. Tanto as músicas, quanto a estética e também o áudio (mix e master). Olhando pra trás vejo como esse disco foi inovador e precursor da cena pop dançante brasileira. Recebo diariamente, via inbox IG e FB, um retorno maravilhoso dessa garotada que esta descobrindo esse som agora.

[ENTRE LP]O Rio de Janeiro (e por vezes, o Brasil como um todo) aparecem como alegoria no seu trabalho. Como é falar sobre sua cidade em 30 anos de carreira? Você acredita que alguns temas permanecem?

[FERNANDA ABREU]Meu olhar sobre o Brasil e sobre o mundo partem da perspectiva da minha cidade. O Rio me deu régua e compasso como diria Gil. Minha observação sobre a alma humana-urbana, sobre o cotidiano é inspirada pelo que vivo aqui. O Rio pra mim é como um mini Brasil com suas belezas, suas desigualdades, suas peculiaridades e seu caos. Com certeza esses temas permanecem pois o Brasil assim como Rio são o purgatório da beleza e do caos.

[ENTRE LP] Há produções artísticas que vêm ao mundo em meio ao caos, como aconteceu com Amor Geral — (a) live. Como foi esse processo de execução do trabalho até o lançamento? E também, como está sendo viver de música no Brasil atual, em meio à pandemia?

[FERNANDA ABREU]O caos é um combustível pra criação. O brasileiro é mestre em conseguir driblar os obstáculos e seguir em frente. E foi assim pra realizar o registro em CD e DVD “Amor Geral (A)Live” no dia 13.03.2020, dia do lockdown aqui no Rio. Mas como o ano de 2020 era um ano de celebração e comemoração dos meus 30 anos de carreira eu já tinha varios projetos engatilhados e acabei trabalhando MUITO. Lancei um primeiro single inédito “Do Ben” dia 20 de março, na sequencia comecei o processo de finalização do CD e DVD “Amor geral (A)Live”, lançamos a coletânea “Slow Dance” que incluía uma versão inédita em estúdio da musica “Dance Dance”, e produzimos (eu e DJ Memê) um álbum com 13 remixes inéditos com 13 DJs incríveis chamado “Fernanda Abreu-30 Anos de Baile” que vou lançar no segundo semestre. Tenho MUITAS saudades do palco! Essa é a pior parte desses 1 anos e 2 meses de pandemia…

[ENTRE LP]Conte-nos um pouco sobre a criação da “Biblioteca Fernanda Abreu” na favela do Morro do Faz Quem Quer.

[FERNANDA ABREU]Recebi o convite através da Favelivro, sobre a homenagem prestada pela comunidade do Morro do Faz, relativa a inauguração de uma biblioteca batizada com meu nome! Fiquei muito honrada! A Favelivro faz um trabalho espetacular inaugurando bibliotecas nas favelas do Rio de Janeiro. Quando soube do convite, me envolvi de corpo e alma. Recolhi quase 200 livros aqui em casa + livros do meu pai arquiteto, que havia falecido em março do ano passado, sobre o Rio de Janeiro, liguei pro Instituto Mauricio de Souza que entraram como parceiros cedendo gentilmente 300 gibis pra nossa biblioteca. Amigos escritores como Fernanda Takai, Gabriel Pensador, Vanessa da Mata, Letrux e outros tbm me enviaram livros pra nossa biblioteca.

Teremos então 3 ambientes dentro da biblioteca: Livros doados por mim e por amigos + “Espaço Armando Abreu” (meu pai) + “Gibiteca” (quadrinhos Mauricio de Souza)

Estou louca pra chegar o dia da inauguração!

[ENTRE LP] Você foi uma defensora do funk para o mainstream desde quando teve seu primeiro contato com os bailes na época do DJ Marlboro, incorporando alguns desses elementos sonoros na sua música. Hoje uma nova geração de cantoras que vieram do funk, como a Anitta, prestam homenagens a você, como a que aconteceu no marketing de lançamento de “Girl From Rio”. Como foi receber essa homenagem? Em relação às novas cantoras, o que você tem acompanhado?

[FERNANDA ABREU]Adorei a homenagem! Acho Anitta uma grande artista! E é legal ter o reconhecimento da galera do Funk depois desses 30 anos acompanhando de perto toda essa rica historia! Sobre as cantoras pop dessa geração acompanho os lançamentos. Anitta, Led,Luisa Sonsa, Lexa e etc… e tbm de cantoras que admiro como Iza, Dora Morelenbaum, Alice Caymmi

Post de Anitta em homenagem à Fernanda Abreu, durante a campanha de marketing que exaltava as garotas cariocas para o lançamento de Girl From Rio (Instagram/Reprodução)

[ENTRE LP] Você afirmou que ficou ainda mais por dentro do processo de produção de áudio em seus álbuns e esse é um ponto interessante no a(live). O álbum tem a energia de um show, apesar de ser sem público. É um legítimo registro ao vivo, diferente de algumas lives que muitas vezes não conseguem passar essa sensação, assemelhando-se mais a um programa de tv. Como foi pensar esse conceito de produção sonora e como foi sua participação nesse processo?

[FERNANDA ABREU] Eu fiz a direção geral do CD e DVD “Amor Geral (A)Live. Como o show da turne “Amor Geral” tbm foi dirigido por mim e estava completando 3 anos e meio de estrada, o show estava muito azeitado. A banda e equipe tecnica muito entrosada. Inclusive as participações especiais dos meninos do Passinho e a galera da Focus Cia de Dança tbm estavam muito conectados e sintonizados com o show. Naquela noite, quando soube no camarim, horas antes do inicio do show, que o público não poderia entrar no Imperator, juntei forças, chamei banda e as equipes (do show, do Imperator e de filmagem) e disse que o show estaria cancelado pro publico mas a filmagem não. Usei a minha experiencia e energia e prometi a todos que faríamos o melhor show de todos da turnê!

[ENTRE LP] Para fecharmos, conte-nos uma coisa: você acompanhou o BBB21? Acha que o fenômeno “Juliette” foi mais uma previsão que você e o Fausto sacaram antes de todo mundo? rs

[FERNANDA ABREU] Hhahaha….essa foi boa! Juliette levou o caneco, né? Justo!

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Para ouvir:

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Damy Coelho
ENTRE LP

Jornalista, Bacharel em Letras, pesquisadora em música sertaneja/feminejo. Ex Revista Ragga, Alto-Falante, Cifra Club e Palco MP3.