Era o Hotel Cambridge — um registro de quem luta e vive em ocupações por Eliane Caffé

Francielle Cota
ENTRE LP
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4 min readFeb 18, 2021
por: Francielle Cota

Nos anos 50, era o Hotel Cambridgde. Hoje, é a moradia de 121 famílias. Depois de oito anos de luta, o residencial Cambridge será entregue em setembro para famílias que irão realizar o sonho da casa própria. Em 2016, a diretora Eliane Caffé transformou a história dessa ocupação no centro de São Paulo em filme.

Era o Hotel Cambridge mescla ficção e a vida real. O longa-metragem retrata não só a carência de políticas públicas que contemplem moradores de zonas periféricas, mas também a ausência do devido acolhimento e reconhecimento dos direitos de refugiados recém-chegados ao Brasil.

Foto: reprodução

Com a participação dos atores José Dumont, Suely Franco e Thaíssa Carvalho e dos moradores e moradoras da ocupação, integrantes de movimentos de luta por moradia, o filme é apresentado como resultado da criação coletiva da Frente de Luta por Moradia (FLM), do Grupo Refugiados e Imigrantes Sem Teto (GRIST) e da Escola da Cidade. A direção é assinada por Eliane Caffé a partir do roteiro que ela escreveu em parceria com Luis Alberto de Abreu e Inês Figueiró.

Era o Hotel Cambridge aborda um tema contemporâneo, mas ainda pouco retratado no audiovisual brasileiro: a problemática do refúgio unida às ocupações decorrentes das marginalizações sociais nas grandes cidades brasileiras”, declara Eliane Caffé.

O filme está centrado no cotidiano de luta desde o início. Nos primeiros minutos é retratado um pedido judicial de reintegração de posse que ameaça o destino das famílias que residem na ocupação.

Foto: reprodução

A partir daí, o espectador passa a acompanhar a rotina de cada um dos personagens moradores do Cambridge, em especial, os refugiados vindos do Congo, Colômbia e Palestina. Com introduções poéticas, um roteiro repleto de relatos e através de cenas documentais de outros filmes, o longa apresenta o refúgio sob sua faceta mais cruel: o exílio e a desigualdade social.

“Somos todos refugiados, refugiados pela falta dos nossos direitos” frase emblemática dita no filme por Carmen da Silva Ferreira, líder Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC).

Era o Hotel Cambridge trata-se de um filme a ser visto e debatido, sobre o qual vale a pena repensar modelos estruturais e do capital. Enaltecer esta narrativa faz com que o trabalho de Eliane Caffé e equipe seja reconhecido como um marco do cinema brasileiro.

Confira o trailer:

Histórico

O Claridge Hotel foi fundado no início da década de 50, não há uma data precisa de quando o hotel passou a se chamar Cambridge, acredita-se que por volta de 1962. Na época, hospedar-se em suas dependências não era somente uma comodidade por estar no centro da capital paulista, mas sim um status.

Foto: reprodução

A deterioração do centro de São Paulo e o consequente deslocamento da região de negócios para o eixo da Avenida Paulista fizeram os hóspedes deste e outros hotéis da região começarem a migrar.

Há mais de 15 anos Carmen luta pela moradia no centro de São Paulo. Foto: Susana Sarmiento)

Devido a decadência, o Hotel Cambridge fechou as portas em 2002. Oito anos após o ocorrido, a prefeitura deu um ultimato aos proprietários do empreendimento. O imóvel tinha grande soma de débito de IPTU e poderia ser destinado a moradia popular.

O imóvel chegou a ficar a venda, mas ninguém comprou. O prédio foi desapropriado pela prefeitura de São Paulo por dívidas. Com a desapropriação, foi ocupado em 2012 pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) com liderança de Carmen Silva — protagonista fundamental no filme de Eliane Caffé.

Sobre a diretora

Eliane Caffé é psicóloga e em 1988 partiu para Cuba, onde iniciou seus estudos de cinema na “Escola Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños”. Em 1990 viajou para Espanha com uma bolsa de pós-graduação para aprofundar sua formação humanista no “Instituto de Estética e das Artes” da Universidade Autônoma de Madrid.

Foto: reprodução

De volta ao Brasil, segue a carreira de cineasta escrevendo e dirigindo curtas, longas metragens e series de TV que vêm ganhando o reconhecimento da crítica e público em importantes Festivais e Mostras no Brasil e internacionalmente. Ao longo de sua trajetória a diretora vem construindo temáticas e abordagens cada vez mais implicadas com a exploração da linguagem audiovisual em “zonas de conflitos reais” — tanto no contexto rural do Brasil como nos grandes centros urbanos.

Em seus trabalhos é visível a experimentação com a narrativa que interage com personagens reais e agrega repertórios de seus universos de vida como coletivos com voz própria. Mais do que personagens e cenários, esses coletivos atuam em pé de igualdade com a equipe técnica do filme em todo o percurso da realização da obra. Atualmente, está voltada para consolidar a prática de pensar e produzir um cinema “polifônico”, “dialógico” e que se estenda muito além dos sets de gravações.

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Francielle Cota
ENTRE LP

Jornalista amante da película 35mm e boa prosa.