#LeiaMulheres — Raquel Batista fala sobre sua vivência na escrita

Priscila Santos
ENTRE LP
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7 min readMay 28, 2021
Créditos: Rodrigo Lana.

Ao lançar mão da escrita para atenuar o cotidiano e registrar suas memórias, a mineira de Belo Horizonte, Raquel Batista, cria uma linguagem singular por meio da poesia. Com uma publicação lançada e uma nova em andamento, a escritora não resume sua atuação apenas à literatura. Publicitária de formação, ela também é produtora cultural e podcaster.

Sismógrafo, como foi batizado seu primeiro livro, teve sua primeira tiragem já esgotada no lançamento. “São 31 poemas, divididos em três partes: memória, desejo e medo da morte”, explica a autora. O livro é um convite para um mergulho na poesia. Não há como não se deixar levar pelos versos e pelas experiências ali contadas.

Em maio deste ano, Raquel passou a atuar como editora-chefe no Coletivo Lança, que realiza trabalhos voltados à lançamento literários, gestão de projetos, curadoria e etc.

A Entre LP conversou com Raquel sobre seus trabalhos e sua relação com a literatura. Confira!

Como a literatura entrou na sua vida?

Essa é uma pergunta quase existencial, eu diria. As primeiras memórias que tenho sobre literatura e leitura me levam de volta à infância, por volta dos nove, dez anos. E os primeiros livros de que tenho memória, além daquelas coleções infantis clássicas, foram os livros do Pedro Bandeira, eu lembro especialmente do A Droga do Amor, que era um combo com o A Droga da Obediência e Minha Primeira Paixão (pode ser que os títulos não estejam certos, mas perdoem a memória da escritora cansada, rs). Depois disso, eu me tornei uma menina de bibliotecas, frequentava muito a biblioteca da minha escola — uma escola pública municipal de onde tenho boas memórias — e me interessei principalmente pela literatura de mistério. Acho que quando Agatha Christie entrou na minha vida eu realmente entendi o poder da literatura de nos fazer viajar sem sair do lugar e de encarnar a pele de outros personagens que não nós mesmos. Depois vieram os e as poetas, a literatura de Drummond me encantou e encanta até hoje, achava ele descolado, sempre achei poetas descolados, até eu virar uma, haha.

E seu desejo por publicar seus escritos? Quando começou?

Eu escrevo desde que me conheço por gente. Escrevia cartas, bilhetinhos, gostava de inventar coisas e universos, criar cenários. A escrita foi a forma que encontrei de me expressar com mais clareza, de me fazer ser “ouvida”, sabe? No fundo, eu acho que eu sempre me imaginei publicando livros e talvez até vivendo disso (eu não tinha o menor conhecimento sobre o mercado editorial brasileiro, deu pra perceber né?), quando eu pensava sobre o que eu queria ser quando crescesse, as respostas eram muitas — e ser aquariana adicionou um pouquinho de emoção nisso — mas quando via um filme sobre a vida de alguma escritora, até aqueles filmes de terror com aquela premissa clássica “escritora aluga cabana isolada nas montanhas para terminar o seu romance”, parecia certo pra mim. Então a vontade sempre esteve aqui, mas levaram anos pra que eu me convencesse que eu tinha um bom material a ser publicado. E muito do mérito disso eu devo às mulheres à minha volta e aqui eu preciso citar a também poeta Danielle Gomez, que é como uma irmã literária, vimos nossa escrita crescer conjuntamente, contamos com o olhar uma da outra e acho que toda escritora deveria ter alguém assim pra se corresponder, especialmente para nós mulheres de quem se exigido uma perfeição que inatingível.

Quais foram suas inspirações para o Sismógrafo?

Pode parecer uma resposta preguiçosa, mas juro que não é. Tudo me inspirou a escrevê-lo. Sismógrafo é uma autoficção, então tudo o que eu vivi e senti tentei colocar em palavras que provocassem identificação em outras pessoas. Até porque, no fim, quando o livro está no mundo ele não é mais meu, ele é de quem o lê e imprime nele seus sentimentos, gosto que o leitor confunda sua própria história com a minha. Gosto também do mistério de deixar as pessoas pensando “será que isso aconteceu mesmo ou ela inventou?”, porque como autoficção, tem muita coisa que aconteceu de verdade ali e quando releio Sismógrafo eu sempre sorrio pensando sobre isso, que o mistério está ali preservado. Então escrevê-lo também foi uma forma de revelar, sem revelar, como quem conta um segredo por partes (e mata a fofoqueira, rs).

Por que a poesia? Quem escolheu quem?

Essa é fácil. Com certeza foi a poesia que me escolheu. E digo isso não por não gostar de poesia — eu amo — mas eu nunca, em tempo algum, me imaginei escrevendo poesias. As poucas que tentei quando mais nova me faziam revirar o olho, até porque ficava muito presa à ideia das “regras da poesia”, métrica, rima… me entediava só de pensar em escrevê-las. Até que eu encontrei a minha “voz lírica”, se é que isso existe e se não existe, esteja inventado agora no momento dessa entrevista. Depois que descobri como dizer o que eu queria dizer, me parece que o meu destino sempre foi ser poeta.

A memória e o cotidiano perpassam a sua escrita de uma forma muito explícita. Escrever para você é uma forma de traduzir e rememorar o mundo à sua volta?

Com toda certeza! Escrevo também pra não esquecer. A vida é um eterno esquecimento, as coisas vão se perdendo, as pessoas vão se perdendo, perdemos os vínculos, e escrever sobre o mundo à nossa volta, é uma forma de sempre nos lembrarmos de que alguns vínculos existiram. Escrever sobre o que sentimos naquele momento é também uma forma de nos permitirmos viver de novo as sensações numa escala menor. O que acho interessante sobre a memória é que ela não é linear, estamos sempre indo e vindo dos acontecimentos que marcam nossa vida, e cada vez que vamos deixamos lá na memória um pouco e, quando voltamos, trazemos outro tanto, que nem sempre é fiel à realidade do que aconteceu e é aí que está a beleza da coisa. De podermos inclusive ressignificar com afeto o que vivemos, editar a memória e guardar o que importa.

Créditos: Andreza Vieira.

Quais os livros que mudaram a sua vida?

Nossa! São tantos. Mas não vou fugir da pergunta, rs.
Tentando fazer uma linha do tempo, acho que Assassinato no Expresso do Oriente da Agatha Christie, que foi talvez o maior responsável por eu gostar tanto de ler, embora não lei tanta literatura quanto gostaria. Posso citar também Sentimento do Mundo que reúne alguns dos meus poemas favoritos de Drummond, como o que dá título ao livro e Elegia 1938. Também preciso citar Florbela Espanca e o seu Livro de Mágoas, eu sou profundamente apaixonada pela escrita da Florbela, se há um livro que mudou minha vida e meu olhar sobre poesia, foi esse, Florbela é muito visceral e eu gosto muito disso nela. Seria criminoso se deixasse de citar Hilda Hilst e o seu livro Do Desejo, acho que ninguém na face da terra escreveu melhor sobre desejo que Hilda Hilst, inclusive é uma temática que eu amo me aventurar e ela com certeza é uma inspiração. Por fim, o meu favorito, o meu livro preferido da vida, meu livro de cabeceira, minha paixão, Só Garotos, da Patti Smith.
É um romance autobiográfico que o tempo todo te faz pensar se todas aquelas aventuras realmente aconteceram e como sempre concluo que sim, me dá vontade de viver, de experimentar o mundo e aguça o meu senso de liberdade.

Você já está escrevendo outro livro? Se sim, pode contar um pouco mais sobre o assunto?

Sim e já tem um nome que revelo de forma inédita aqui para a Entre LP, Leite Derramado. Ele é um livro sobre o depois, se em Sismógrafo encerro a publicação com o poema “The end” e falo sobre o medo da morte, nesta segunda publicação a temática é o que vem depois de encararmos esse medo. Ele ainda está em fase bem inicial de escrita, mas está se construindo de forma bem bonita e orgânica. Posso dar alguns detalhes, reuni uma equipe totalmente formada por mulheres, como no primeiro livro, é uma forma de retribuir às minhas maiores incentivadoras. Destaco alguns nomes que estarão comigo, Gabriela Ferreira Marques (@ellamarques) responsável pela ilustração de capa do Sismógrafo, neste ilustrará o miolo do livro, a artista visual Fernanda Gontijo assina a capa e o projeto gráfico e para a revisão, Ana Toledo, pesquisadora, consultora literária e amiga querida. O livro será chancelado pelo Coletivo Lança, do qual faço parte, e será, senão a primeira, uma das primeiras publicações literárias do coletivo.

Agradecimentos:

Quero agradecer imensamente a Entre LP pelo espaço e pela entrevista. Foi um prazer contar um pouco mais sobre os próximos capítulos da minha carreira literária. Agradeço em especial à Dani Gomez, Priscila e Fran, por esta entrevista. Desejo que a coletiva tenha vida longa e que vocês se firmem ainda mais como este veículo tão importante para o jornalismo independente, como estão se mostrando. Um beijo no coração de todas!

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Priscila Santos
ENTRE LP

Jornalista, apaixonada por música e conteúdo digital. Sol em Leão, ascendente em Aquário e lua em Libra. Sofro de Distimia e estou aqui para falar sobre isso.