Mães Solo vivendo a pandemia no Brasil

Francielle Cota
ENTRE LP
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6 min readFeb 24, 2021

Conheça o projeto de sete fotógrafas brasileiras apoiado pela National Geographic.

Já se passaram 11 meses desde que a pandemia da Covid-19 assolou o mundo e o Brasil. Em um país emergente com diversas problemáticas sociais, desde o início deste conturbado período, nos questionamos sobre como poderíamos prevalecer diante de um colapso sem precedentes na história mundial. Parecia óbvio que a desigualdade por aqui ia aumentar, ainda mais diante de lideranças que não deram importância ao isolamento social, mesmo com tantos alertas sobre a letalidade do vírus chegando por todos os lados. Um dos primeiros casos de morte por Covid-19 registrado em território nacional foi o de uma trabalhadora doméstica, contaminada por ter ido trabalhar na casa de patrões infectados, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que na internet circulavam mensagens de apelo pedindo para as pessoas ficarem em casa. Com o fechamento dos comércios e serviços não essenciais e com o desemprego em alta, o medo da fome e da volta da pobreza extrema ficaram evidentes e, outra questão veio à tona.

Num campo de tantas incertezas, sete fotógrafas brasileiras resolveram se unir para registrar o que não era pautado pela grande mídia. “Como estão as milhares de mães solo brasileiras? Como lidar com o risco de se infectar com um vírus que pode ser letal, com a falta de emprego, home office, filhos em casa sem creche ou escola, além de toda sobrecarga mental?” — elas se perguntaram e assim surgiu o projeto fotográfico SOLO, que retrata o cotidiano de 14 mães vivendo a pandemia no Brasil durante os meses de agosto a dezembro, quando o site foi lançado reunindo as histórias das famílias retratadas.

O advento da vida virtual possibilitou o encontro e nascimento do projeto para além das barreiras geográficas. Idealizado por Andressa Zumpano em Brasília (DF), Ingrid Barros em São Luís (MA), Isabella Lanave em Curitiba (PR), Maria Magdalena Arréllaga no Rio de Janeiro (RJ), Patrícia Monteiro em São Paulo (SP), Shai Andrade em Arembepe (BA) e Tayná Satere em Barreirinha (AM), essas sete fotógrafas contam a história de Carla Bianca, Isis Abena, Luisa Brandão, Luísa Molina, Maria Francisca, Marilúcia Sateré, Natália Cardoso, Paula Dias, Rafaela Machado, Sofia Benjamin, Stela Prado, Stephanie Borges, Gabriela Grigolom e Verônica Costa, em um trabalho urgente que nos permite refletir sobre questões da maternidade, políticas públicas, saúde mental e acolhimento.

Ao conhecer as fotografias e histórias contadas no projeto SOLO, entramos em contato com diferentes realidades — considerando o cotidiano dessas mães brasileiras, intersecções de classe, raça, idade, o cuidado das fotógrafas em atravessar fronteiras para retratar as dificuldades compartilhadas por essas mulheres, ainda que estejam expostas suas diferenças regionais e culturais.

A ENTRE LP conversou com uma das idealizadoras deste projeto, a fotógrafa Patrícia Monteiro, que compartilhou conosco um pouco da experiência e aprendizado com a realização do trabalho.

ENTRE LP — Olá, Patrícia! Desde já agradecemos a disponibilidade em bater esse papo com a equipe da ENTRE LP. Como surgiu a ideia de cobrir a vivência de mães solo vivendo a pandemia no Brasil?

A ideia surgiu de uma necessidade real de contar essas histórias. Parecia claro que as mães estavam sendo as mais afetadas pela sobrecarga de tarefas da pandemia e, para as mães solo, as dificuldades e riscos eram muito urgentes. Vimos algumas matérias sobre isso na imprensa, mas nada muito aprofundado e aí percebemos a enorme potência que seria fazer um projeto em coletivo, abordando diferentes realidades, em diferentes regiões do país. Um projeto de mulheres falando sobre mulheres, mas que conseguisse atingir mais pessoas, afinal, todo mundo tem mãe, mas, por algum motivo, nossa sociedade não dá valor ao trabalho materno. Com essas histórias, queríamos que as pessoas parassem para olhar e entender que esse tema fala sobre todos nós, fala sobre desigualdade, sobre machismo e, principalmente sobre o cuidado — que, infelizmente, ainda é visto como papel da mãe.

Carlla Bianca Souza, 21, e a filha Ísis. Estudante de direito, Carlla mora com os pais e duas irmãs. Durante a
pandemia, com as creches fechadas e a filha em casa, Carlla se dividiu entre os estudos, os cuidados com a filha e
as irmãs e a produção do brechó online que administra. “Na pandemia, me preocupei, tive crises de ansiedade, me
senti muito sufocada”. Foto: Ingrid Barros

ENTRE LP — Quem visualiza as imagens captadas por vocês sente uma forte conexão entre a equipe. As fotógrafas reunidas neste trabalho já se conheciam ou isso rolou durante o processo?

A gente já se conhecia em partes. Pessoalmente eu, Patrícia, conhecia a Andressa e ela conhecia a Ingrid. Outras se conheciam mais de admirar o trabalho à distância e aí, ao longo do processo, com as reuniões, fomos nos conhecendo melhor.

Natália Cardoso, 20, com sua filha Pietra, então com 5 meses, em Osasco, São Paulo. Durante a pandemia, ela
largou o emprego por não ter com quem deixar a filha e não conseguiu acesso ao salário emergencial. Foto: Patrícia Monteiro

ENTRE LP — Como foi o contato inicial com as mães retratadas e o acompanhamento cotidiano?

Cada caso foi diferente. Muitas já conhecíamos as mães com quem realizamos o projeto através de outros meios e redes de contato, outras não. Acho que o acompanhamento também variou muito de acordo com as localidades, dificuldade de acesso ou não, considerando que ainda estamos numa pandemia, né? Mas julgamos importante ter essa variedade entre as mulheres retratadas, para dar conta desse universo de mães solo brasileiras: desde mulheres no campo, em áreas rurais mais isoladas, até mulheres da área urbana, idades diferentes, contextos sociais diferentes.

Luisa Brandão, 27, faz reunião com o celular na sala enquanto Aruan, 5, assiste um desenho no laptop. O combinado entre eles — para que Aruan fique o mínimo possível nas telas — é assistir desenhos apenas uma vez por semana. “Eu acredito que a primeira infância, principalmente, deve ser vivida no mundo real e não no mundo virtual. Mas quando a gente está em home office e só tem você e uma criança em casa, muitas vezes o desenho é importante para eu poder fazer um atendimento online, uma reunião.” Foto: Patrícia Monteiro

ENTRE LP — O projeto Solo foi apoiado pelo Fundo Emergencial da National Geographic Society para Jornalistas, né? Poderia contar um pouco sobre essa iniciativa?

Esse é um edital muito legal da National Geographic Society. Eles financiam projetos de diferentes formas, mas essa bolsa em específico foi lançada logo no início da pandemia para projetos com temáticas relacionadas à Covid-19. Só na América Latina eles já financiaram mais de 200 trabalhos. É muito bom, pois nos permitiu ter tempo para nos dedicarmos a essas histórias, além de todo um universo dentro da National Geographic Society que, enquanto fotógrafas autônomas, é incrível fazer parte.

Sofia Benjamin, 30, e a filha Céu, 4, no Rio de Janeiro (RJ). As duas ficaram em isolamento total por mais de oito meses porque a mãe de Sofia, a única rede de apoio das duas, é do grupo de risco. Foto: Maria Magdalena Arréllaga

ENTRE LP — Após a construção do projeto Solo, como ficou a relação de vocês com o trabalho documental? Pensam em expandir a série para além da pandemia?

Através do trabalho documental desenvolvemos também vínculos com as mulheres que colaboraram. O trabalho documental foi um ponto de encontro. Enquanto o projeto tem como foco essas diversas histórias que nós registramos sobre a maternidade durante o tempo de pandemia especificamente, muitas das questões abordadas já estavam presentes antes da pandemia e se tornaram mais urgentes nesse período. É importante continuar falando sobre essas questões que atravessam as vidas de tantas mulheres no país. Pelo momento ainda não temos planos para expandir a série, mas esperamos que a gente consiga abrir esse espaço para continuar somando nesse diálogo.

Stephanie Borges Gomes, 23, e o filho Lucca, 3, brincam no rio perto de casa, em Arembepe (BA). Stephanie trabalha como açougueira e precisa cruzar o rio a pé todos os dias às cinco da manhã para chegar ao trabalho. Foto: Shai Andrade

Além do site, o projeto SOLO também está presente no Instagram e ocupado semanalmente por uma fotógrafa diferente que participou dessa construção. Conheça, siga e compartilhe aqui: https://www.instagram.com/solonatgeo/.

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Francielle Cota
ENTRE LP

Jornalista amante da película 35mm e boa prosa.